CAPÍTULO 1
Era uma tarde normal no Rio de Janeiro. Hélio não dava trégua, a temperatura já passava dos 40º C. Mas nosso protagonista não é Hélio, e sim Potiguara, carioca de 19 anos morador do bairro da Tijuca e estudante de Direito. Apesar desse calor infernal, Potiguara resolveu encarar a academia e praticar sua atividade física diária. Porém, descansando entre um exercício e outro, foi tomado por uma incrível inspiração. Podia ver claramente tudo se passando em sua mente nos mínimos detalhes. Finalmente, sua primeira obra, quem sabe talvez sua ponte para a eternidade, seu primeiro filho tão aguardado nascia ali, naquele ambiente inóspito onde a futilidade impera, ao som de um DJ americano qualquer, que sem dúvidas chama de música seus ruídos (Deusa Música,perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem). Mais uma vez do estrume é que nasceu a flor.
O leitor pode estar achando que a inspiração veio do nada, por sorte. Não se engane: Nada nasce do nada. A criação de Potiguara só foi possível, porque ele leu muito, e, o que é mais importante, pensou muito, já que, como é sabido, quem lê sem pensar não é capaz de criar. Para ser sincero, Potiguara não leu tanto assim. Sua estante de livros é pequena. Ela não causaria impressão nos telespectadores que assistissem Potiguara sendo entrevistado em sua casa por uma emissora de Televisão (é engraçado como os eruditos-posers gostam de mostrar, quando entrevistados, a vasta coleção de livros que possuem, como se ela refletisse o tamanho da sapiência deles). Porém, quão impressionados não ficariam os telespectadores, se, assistindo a essa mesma entrevista de Potiguara, pudessem ver ao fundo sua estante de pensamentos?
Com medo de esquecer alguma parte, o jovem foi correndo pra casa. Ele não se importou com o fato de não ter terminado sua série de exercícios, pois sabia que havia criado algo grande. No caminho, lembrou do ex-padre Vivaldi, que, conforme reza a lenda, foi excomungado pela Igreja por ter abandonado o altar no meio da missa para anotar uma linda melodia que tinha acabado de inventar ali. “Sorte minha que as academias não excomungam”, pensou o rapaz.
Chegando em casa, não fez outra coisa senão escrever, nunca riscando partes do que já havia escrito, algo que Gogol ou Brahms dificilmente fariam. Com isso, seu texto é uma amostra quase cem por cento pura do seu turbilhão de pensamentos. Transcrevo agora o ácido e poderoso manuscrito no seu inteiro teor, cópia totalmente fiel à versão original:
“FILOSOFIA DO SÉC. XXI – Autor: Potiguara da Silva
Amigos do mundo,
Retificar a história é preciso: O século XXI é a verdadeira idade das trevas! Sinto vergonha de viver nessa tenebrosa época. Filosofia adormecida , música desafinada e literatura analfabeta... Para onde caminha o Homem hoje? Para trás! Às vezes puxam o Homem para a esquerda ou para a direita; mas nunca o fazem caminhar para frente. Entretanto, como já era de se esperar, há esperança, esse bravo cavaleiro andante, ultima ratio dos desesperados. A esperança é essa luz em forma de palavras que vos trago e que será a salvação e o despertar do Homem. Sei que muitos não estão preparados para receber essa luz, de brilho exótico e intenso, que fatalmente cegará a maioria dos que forem contemplados por ela. Outros, que já estão cegos, não serão por ela iluminados. Mas aqueles que lerem buscando sinceramente a verdade, serão tomados por um poder novo descomunal, nunca sentido nem pelos espíritos mais sábios e profundos que já passearam pela Terra. Preparem os vossos olhos! A partir de agora ilumino.
Atualmente, a hegemonia mundial pertence aos Estados Unidos da América, vencedor das duas grandes guerras e da Fria, detentor da maior economia e poderio bélico do planeta. Devemos perguntar: É justa essa hegemonia, conquistada pela força da bomba atômica? A resposta é não. Conquistar a hegemonia pela guerra é algo injusto e que, por isso, deve ser abolido. Isso foi o que a Deusa Justiça me disse quando, em oração, perguntei a ela sobre a legitimidade da guerra. Após ouvir a negativa, perguntei: ‘Então, minha Deusa, quem deve ser, de Direito, o líder do mundo?’. Ela então me respondeu dizendo: ‘Bom e justo Potiguara, a hegemonia mundial deve pertencer a quem for superior. Isso a história te mostrará’. Então agradeci e fui até a História e perguntei: ‘História, afinal qual é o país superior?’ E ela respondeu: ‘Muitos historiadores marxistas tentaram me matar, porém, resisti milagrosamente e acho que, mesmo padecendo em meu leito, posso responder essa questão com a seguinte pergunta: Quem se destacou mais na filosofia, literatura e música, as criações mais elevadas do Homem? Respondo: Na filosofia, os gregos foram grandes, mas os alemães foram os maiores; na literatura, os russos foram grandes, mas os alemães foram os maiores; na música, os italianos foram grandes, mas os alemães foram os maiores. Pronto, aí está o que você procurava: A Alemanha é superior’.
A História estava certa: Os alemães se destacaram em tudo aquilo que constitui o tesouro mais precioso da humanidade, sendo, por isso, os que mais contribuíram para ela. Portanto, a hegemonia mundial deve pertencer não aos americanos, povo intelectualmente inferior, nada profundo, usurpador do poder pelas armas, péssimo líder incapaz de traçar nossa rota, mas sim aos alemães. É incrível como aceitamos receber constantemente dos yankees seus best-sellers, blockbusters e junk-food. Soa como piada o ‘junk’ compor apenas a expressão junk-food. Proponho que a partir de agora falemos em junk-food, junk-books e junk-movies. O rei Midas transforma tudo o que toca em ouro; o americano transforma tudo o que toca em lixo. E mesmo assim, lá está ele no topo, impondo a todos seu fútil estilo de vida e seu pobre idioma. O mundo está sendo governado por tolos... e os sábios permitem isso.
Sim, de fato os outros países já nos deram muitos gênios. Mas existe um poder e uma magia que só os alemães possuem. Que nação ousaria competir contra um time composto por Bach, Beethoven, Schopenhauer, Goethe, Nietzsche e Wagner? Quantos momentos de prazer profundo esses homens grandes, imensos, proporcionaram a humanidade! E quanta verdade na sua mais límpida essência eles nos legaram! Tudo isso será devidamente e finalmente compensado! Oh tu, gigante Alemanha, que perdestes as duas grandes guerras e foste humilhada, finalmente obterás a liderança do mundo! O que um bom maestro é para uma orquestra e um bom general é para um exército, a boa Alemanha será para o mundo. E tudo ocorrerá sem que seja preciso derramar uma gota de sangue, líquido sagrado que já escorreu demais à toa. Isso porque a liderança do mundo será entregue aos alemães, assim que essas novas tábuas estiverem com vigência e eficácia no coração de todos.
E sim, os alemães criaram o nazismo, sem dúvida um erro, hoje felizmente superado, com exceção de pequenos grupos neonazistas persistentes. Porém, há uma parcela de verdade no nazismo. Hitler acertou quando defendeu a superioridade dos alemães; só errou na justificativa. Também acertou quando advogou a inferioridade dos judeus, porém, houve aqui também um equívoco, motivado por interesses políticos, que foi grave e causou injustamente o massacre desse povo. Esse equívoco reside no fato de que não há nada de especial na inferioridade deles. Assim como os judeus, são inferiores os japoneses, os italianos, os brasileiros, os russos, os árabes, os africanos et cetera. Isso porque esses povos possuem algo em comum: todos eles são não-alemães. Porém, eu, o autor desse escrito, sou uma exceção. Faço parte desses poucos não-alemães de muito valor, pois cresço na medida em que reconheço minha inferioridade. E todos os não-alemães que amam o mundo e o Homem devem seguir meu exemplo. Se todos ponderarem com sinceridade acerca dessas palavras, verão que aqui cantam a Justiça e a Verdade a melodia mais sublime. De nada adianta nos enganarmos: nós, não-alemães, somos inferiores. A verdade pode ser dura, mas a mentira tem perna curta.
Apenas uma condição será imposta aos alemães: Eles devem centrar todos os esforços para organizar esse grande Estado mundial de modo a favorecer ao máximo o surgimento do gênio. O foco não é mais o trabalhador, o pobre, o fraco; o foco passa a ser o gênio.
O século XXI começou decadente, mas ele será o maior de todos. Minha parte está feita. Agora depende de vocês. Eu realmente não seria capaz de liderar esse Renascimento. Mas confiemos nos Johanns e nos Friedrichs! Eles saberão o que fazer. Deutschland über alles!
Rio de Janeiro, 2 de abril de 2010.”
CAPÍTULO 2
Esse polêmico escrito foi colocado por Potiguara em todos os murais da Faculdade Nacional de Direito na qual estudava. No mesmo dia, graças aos esforços do pombo-correio chamado Fofoca, o assunto já chegara aos ouvidos de todos.
Os comunistas do centro acadêmico ficaram indignados com Potiguara, apesar de secretamente apreciarem o poder revolucionário do manuscrito. Os mais exaltados foram de sala em sala dizer que “A tese de Potiguara é absurda, porque não beneficia a classe trabalhadora, nem promove a redução da desigualdade social”.
Outro grupo da faculdade que ficou irado devido ao conteúdo do texto foram os cristãos. Quando cruzaram com Potiguara nos corredores da universidade, esbravejaram, dizendo: “Não há superiores ou inferiores, pois, aos olhos de Deus, todos são iguais”.
Pelo menos uma pessoa elogiou o manuscrito: Carlos, um rapaz inteligente, amigo de Potiguara. Ele não sabia ainda se aceitava as idéias defendidas pelo amigo, porém, já o considerava um gênio. Após ler “Filosofia do séc. XXI”, Carlos ficou bastante entusiasmado, pois no seu entender, esse texto poderia movimentar nosso século, um tanto quanto parado, com exceção do “11 de setembro”. Durante suas infindáveis conversas com Potiguara, Carlos costuma dizer sempre: “O homem do século XXI quer apenas salvar o planeta, não está preocupado em pensar e criar. Isso me faz rir, porque, se o homem não pensa e não cria, para que salvar o planeta?”.
Entretanto, a crítica positiva do amigo de Potiguara não representava fielmente a situação: em geral, os alunos da faculdade que liam seu manuscrito achavam graça e zombavam de seu autor. A faculdade de Direito em que ele estudava estava repleta de típicos jovens universitários, que não sabem nada, mas querem mudar o mundo. Parece que seguiam à risca o manual do perfeito idiota latino americano. Isso irritava Potiguara profundamente. Naquele lugar, ele se sentia uma águia num ninho de bem-te-vis, pois gostava de ir além, buscar a verdade voando alto com as próprias asas, mesmo sabendo que é mais cansativo voar com as próprias asas. Além disso, o vôo alto é solitário, o que inevitavelmente traz sofrimentos. Entretanto, existe o lado bom de tudo isso: lá de cima, a vista é ampla e linda. E Potiguara, apesar de ser brasileiro, não se contenta com pouco. Ele só sabe viver e só consegue viver contemplando essa imensidão do lugar mais elevado. Custe o que custar.
O assunto dominava completamente aquela universidade. Até os professores já tinham lido o escrito do jovem. Eles ficaram surpresos quando viram que Potiguara era o autor, pois o rapaz não costumava tirar boas notas nos exames e não tinha aparência de intelectual. Eles achariam normal se o autor do texto fosse um estranho e introvertido míope de óculos, mas Potiguara, um dos mais populares da faculdade, não era nada disso.
O professor de Filosofia do Direito ficou com inveja do jovem pensador, pois, apesar de se apresentar às turmas dizendo “Muito prazer, eu sou um filósofo...”, só havia escrito, até aquele momento, artigos sobre a vida e obra dos verdadeiros filósofos. Então, no intuito de se vingar, foi até Potiguara dois dias após ter lido o texto e perguntou-lhe se estava disposto a ser entrevistado por ele. O professor disse que a entrevista seria publicada na revista de filosofia em que ele costumava escrever seus artigos. O ingênuo Potiguara ficou contente por causa do tão nobre convite e já pensava num modo de retribuir o favor daquele bondoso professor que se apressava em divulgar sua obra. Como é intensa essa necessidade que temos de retribuir favores! No ônibus, quando cedemos o lugar, ouvimos em troca “Quer que eu segure sua sacola?”. Quando seguramos a porta do elevador para o vizinho que está vindo, a situação é ainda mais interessante: geralmente, ele agradece a gentileza e pergunta “Qual o seu andar?”, mesmo sabendo que apertar o botão para nós não é algo útil. Mas que importa a utilidade se a consciência se tranquiliza?
Naquele mesmo dia, numa das salas da faculdade, aconteceu a entrevista. E para a surpresa do jovem, ele fora massacrado por seu professor. Uma das perguntas mais pesadas feitas pelo mestre foi: “Você não se acha um irresponsável por ter publicado um texto tão perigoso?”. Potiguara tentou em vão se defender. As perguntas tendenciosas do professor estavam sepultando suas idéias.
Causava tristeza no rapaz ver como o “novo” era sempre repudiado. Ele disse a Carlos, um dia após a entrevista: “Meu belo acorde dissonante fere os ouvidos dos não iniciados”. Sim, pois, com exceção de seu amigo, só ouvia reclamações, ironias e xingamentos, sendo “louco” a palavra rude que mais comumente recebia. Será que a humanidade com o tempo passaria a entender seu manuscrito? Ele sabia que o louco de hoje pode ser o gênio de amanhã, porém, ser massacrado por seus contemporâneos não é algo sempre capaz de atestar a genialidade. Ele temia ser considerado louco não apenas por seus contemporâneos, mas por todas as gerações futuras.
E então aconteceu que, um dia, o Cônsul norte-americano no Brasil, assinante daquela revista de filosofia, leu a entrevista de Potiguara feita pelo professor e achou que deveria contar ao Presidente dos Estados Unidos sobre a existência do manuscrito que os experts no assunto consideravam perigoso. O Presidente, apesar de não ter dado muita importância às palavras do representante dos Estados Unidos no Brasil, resolveu ler o texto de Potiguara enviado e traduzido pelo próprio Cônsul. Após ler e reler o escrito, o Presidente sentiu que aquilo poderia ser uma ameaça ao seu poder. Ele reconheceu no manuscrito de Potiguara aquele invisível, porém imenso poder presente em livros capazes de mudar o mundo, como a “Bíblia”, “O Capital”, de Marx e o “Minha luta”, de Hitler. Por isso, resolveu convocar a alta cúpula do governo para uma reunião extraordinária. Após a exposição do assunto e a leitura do manuscrito, um Ministro perguntou ao Presidente: “Senhor Presidente, não será necessário entrar em contato com o governo brasileiro?” O Presidente respondeu dizendo: “Creio que essa não seja uma boa idéia. Isso daria muito trabalho e poderia ser ineficaz. Na verdade, precisamos eliminar o autor desse escrito, antes que sua doença se espalhe e vire uma epidemia. Eu já sei como resolver essa pendência: Falei com Jesus, só ele pode nos salvar”.
Após pronunciar essas palavras, o Presidente americano mandou chamar Jesus, agente secreto de sua confiança, porquanto o mesmo nunca havia falhado em nenhuma missão. O Presidente, no dia anterior, havia entrado em contato com o agente, que leu o escrito de Potiguara e gostou muito, principalmente porque via os norte-americanos que o rodeavam de forma bastante negativa. E como fora confiada a ele a missão de matar o autor daquele escrito, na sua opinião, fascinante, Jesus ficou triste. Ao entrar no salão de reuniões, o agente perguntou ao Presidente, gaguejando com humildade: “Senhor Presidente, sobre aquele texto “Filosofia do século XXI”, será que não há nele uma parcela de verdade? Não seria uma injustiça matar seu autor antes de analisarmos se ele escreveu algo útil para a humanidade? Mesmo se o Senhor considerar isso justo, se for possível, afasta de mim essa missão!” O Presidente respondeu seguro e com seriedade: “Não analisei a questão sob o prisma da justiça. A justiça é o obstáculo do meu interesse. E você vai sim cumprir essa missão!”. Jesus pensou em resistir à ordem do Presidente, e dizer, para justificar essa atitude “It’s a free country!”, frase mágica que legitima toda e qualquer ação praticada em solo norte-americano. Porém, sabendo que sua recusa significaria o fim de sua brilhante e rentável carreira, o agente disse, cabisbaixo: “Tudo bem. Eu irei e cumprirei as ordens do Senhor”. Então, Jesus se retirou dali, no intuito de pegar o quanto antes um avião com destino ao Brasil para cumprir sua missão.
No dia seguinte, já estava no Brasil o hábil agente sniper, colecionador de lícitos homicídios, que por serem lícitos, não fazem dele um assassino. Após desembarcar no aeroporto internacional do Rio de Janeiro, ele pegou um daqueles táxis com o preço caríssimo pré-fixado, que por ser algo lícito, não faz com que os taxistas sejam considerados ladrões. Durante a viagem, o taxista se gabava do número de amantes que possuía, mas o agente não deu atenção a ele, pois, além de estar muito concentrado, nada sabia de português nem de qualquer outro idioma senão o inglês. Seu desprezo, porém, não foi capaz de fazer o taxista se calar.
Enfim, Jesus saltou na Rua Conde de Bonfim, no bairro Tijuca, onde Potiguara morava. O relógio marcava vinte e duas horas e trinta e cinco minutos. A rua estava escura e deserta. Como havia sido informado que Potiguara costumava chegar em casa do trabalho por volta das vinte e três horas, Jesus rapidamente montou seu rifle num beco escuro ideal para efetuar o disparo e sumir dali logo em seguida. Por volta do horário esperado vinha Potiguara andando pensativo, logo, distraído. Ao vê-lo, o experiente Jesus puxou o gatilho e acertou o jovem na cabeça com um tiro certeiro. Mission accomplished.
CAPÍTULO 3
Após a morte de Potiguara houve uma comoção geral. A mídia, esse vampiro sensacionalista, sugou tudo o que podia do caso e inventou mil explicações como causa dessa tragédia. Durante pouco mais de um mês só se falava da morte do jovem. Com isso, sua filosofia nada popular se popularizou. Seu texto “Filosofia do século XXI” viajou dos murais às livrarias e foi um sucesso de vendas. Potiguara, morto, enriquecera. Para o povo, influenciado pelo que via nos noticiários, o jovem havia se tornado uma espécie de mártir, que morreu para salvar a humanidade. Potiguara, herói nacional, passou a ser idolatrado com fé cega por muitos que não haviam lido sua obra, nem faziam idéia do que ela tratava. Alguns autores brasileiros, aproveitando a moda, lançaram às pressas livros como “Introdução ao Potiguarismo”, “Potiguarismo resumido” e “O Potiguarismo em trinta minutos”.
Depois do sucesso nacional, o Potiguarismo começou a se expandir, e os países estrangeiros foram conhecendo-o aos poucos. O povo alemão ficou feliz e grato por aquela verdadeira ode feita em sua homenagem. O número de vendas do manuscrito de Potiguara não parava de crescer. Um grupo de intelectuais alemães publicou um texto apaixonado pedindo apoio às nações, pois estavam preparados para promover o renascimento do gênio e da arte, e tranqüilizaram a todos dizendo que suas ações seriam sempre pautadas pela razão, equilíbrio e razoabilidade. Ainda nessa obra, os autores também disseram não acreditar como era possível um rapaz jovem e brasileiro escrever um texto tão inovador. Para eles, normalmente o jovem não está maduro o suficiente para se aventurar numa obra daquele calibre; e o Brasil não é um país famoso por dar filósofos ao mundo. Os autores alemães realmente estavam certos: carnaval, mulatas e futebol caracterizam melhor esse povo alegre, cuja felicidade corresponde exatamente ao tamanho de sua ignorância.
A repercussão do texto brasileiro entre os judeus não foi das melhores. Além de repudiarem as críticas à igualdade (como se os judeus considerassem os árabes “iguais”) ficaram com medo de reviver o pesadelo do holocausto, mesmo sabendo que o manuscrito não pregava de forma alguma uma renazificação, por ser contra a opressão de um povo sobre o outro.
As idéias de Potiguara cada vez mais conquistavam terreno, chegando a penetrar no Direito. Os juristas brasileiros, com base no Potiguarismo, defendiam o “princípio da compensação histórica”, que para eles, seria o argumento jurídico capaz de legitimar o domínio do mundo pela Alemanha, compensação essa devida por tudo que esse país já fez pela humanidade. Eles afirmavam que esse princípio já existia, sendo, por exemplo, a justificativa da reserva de um percentual de vagas em universidades, para os negros, compensação essa devida por tudo que sofreram na história. Os mais radicais de esquerda aproveitaram para dizer que a tendência seria a criação de cotas para mulheres e homossexuais pelo mesmo motivo.
Nos Estados Unidos, muitos americanos passaram a defender as idéias do Potiguarismo. Eles começaram a se envergonhar, pois achavam que a crítica feita aos americanos procedia. Isso pode parecer incrível, mas a história daquele país é repleta de fatos que impressionam. Querem um exemplo? Primeiro, o americano proíbe o negro de tomar água no mesmo bebedouro que ele. Depois, permite que o negro assuma a presidência do país.
CAPÍTULO 4
Um século havia se passado desde a morte do jovem sonhador. O ser humano estava irreconhecível. De fato ele ainda possuía pernas, braços, falava e pensava. Mas o Homem havia mudado, se superado, e somente por erro nosso, continuávamos chamando nossa espécie de seres humanos. Claro que não estou me referindo ao povo. O povo é imutável.
No século passado, era algo natural defendermos com unhas e dentes nosso país natal, apenas por ser nosso país natal, sendo considerado traidor aquele que não fizesse isso. Se o indivíduo nascesse na China, defenderia a China acima de todas as nações do mundo. Porém, se esse mesmo indivíduo tivesse nascido na Índia, defenderia a Índia, sem se importar com o bem dos outros países, inclusive da sua outrora amada China. Hoje, o Homem acordou e percebeu que isso não passa de uma grande tolice, fruto do egoísmo nacionalista. Ele passou a defender o que é valoroso, seja nacional ou não. Esse pensamento levou o admirável Homem novo no caminho do renascimento Potiguarista, já tão defendido por inúmeras nações.
Se os Estados Unidos resistissem aos apelos dos demais países, que pressionavam os americanos a entregar a hegemonia mundial aos alemães, fatalmente estaríamos diante da terceira grande guerra. Mas, felizmente, os americanos cooperaram. Ninguém mais naquele país fazia algo visando unicamente o lucro; que mudança impressionante! O presidente dos Estados Unidos da época, um homem sábio, falou, emocionado, no final de seu discurso de despedida: “Uma nova era nos espera! E eu não seria capaz de impedir tamanho avanço da humanidade. Nosso mestre Potiguara só cometeu um equívoco: O maior século será o XXII, o nosso!”.
No ano de 2111, o que antes parecia absurdo, aconteceu: após o “1º encontro das nações para frente”, os países decidiram que o presidente da Alemanha seria o 1º presidente mundial da história.
INÍCIO
Nenhum comentário:
Postar um comentário