domingo, 17 de novembro de 2013

CURSO DE CINEMA ARTÍSTICO - AULA 3 - DO CINE DE ESPETÁCULO AO DE TRANSIÇÃO

Auguste e Louis Lumière, os fake pais do Cinema


Na última aula aprendemos que os irmãos Lumière não criaram o Cinema, como muitos pensam. A dupla francesa tampouco fez a primeira apresentação de Cinema pública e paga. Um mês antes da famosa demonstração do Cinematógrafo em Paris, uma outra dupla de irmãos, os alemães Emil e Max Skladanowsky fizeram em Berlim a primeira apresentação pública e paga de Cinema no mundo com seu Bioscópio. 



Os pioneiros do cinema alemão Emil e Max Skladanowsky

       
Bioscópio

Esse filme é um dos mais famosos dos Skladanowsky:





Resta então a seguinte pergunta: Por que os Lumière são tão famosos? Porque eles eram reis do marketing e porque seu cinematógrafo era superior aos concorrentes, já que não utilizava eletricidade e podia ser câmera ou projetor e ainda fazer cópias a partir dos negativos. Cumpre mencionar que muitos afirmam que o verdadeiro criador do cinematógrafo foi o francês Léon Bouly (já aprendemos na aula sobre Edison que uma coisa é a criação, outra o registro de patente). Os Lumière e o seu (?) cinematógrafo fizeram grande sucesso nos EUA apresentando seus filmes nos Vaudevilles, abordados na última aula. 

Cinematógrafo. Lumière ou Bouly?

Um fato pouco mencionado é a adesão de Louis Lumière ao fascismo. Louis enviou uma carta ao Duce italiano Mussolini louvando este e seu regime. Mas já basta de queimar os Lumière, coitados. Vamos assistir uma coletânea de alguns de seus filmes:

 



Os irmãos Lumière estavam preocupados basicamente em retratar o movimento, algo almejado principalmente pelos fotógrafos, como vimos na aula passada. Esses primeiros filmes são uma grande homenagem à vida, pois na definição de Aristóteles, vida é movimento. 

Os principais polos do Cinema primeiro são os EUA e a França. Nos EUA, há uma verdadeira guerra entre a Edison, Vitagraph e Biograph; Na França os Lumière disputavam com a Star Film, do mágico George Meliès e a Companhia Pathé, de Charles Pathé. Porém, desacreditados em relação ao Cinema, os irmãos Lumière vendem suas patentes à Pathé em 1902, tendo uma curta participação na história do Cinema. Segundo os irmãos franceses, “O cinema é uma invenção sem futuro”. Erraram feio. Hora de tratarmos do grande George Meliès, principal nome do chamado “Cinema de espetáculo”.

George Meliès, mágico em todos os sentidos

George Meliès foi um ilusionista francês que entrou no mundo do Cinema e revolucionou o mesmo. Meliès, enquanto mágico, usou o Cinema como mais um recurso para maravilhar as pessoas. Pode-se dizer que Meliès é o pai dos efeitos especiais, pois muitos recursos foram criados por ele para espantar os expectadores. Daí extraio minha “tese do retorno”, pois o Cinema começa com o objetivo de meramente entreter as pessoas com efeitos especiais, sem focar em histórias elaboradas, depois ele vira uma Arte de verdade, e por fim retorna às origens como está o Cinema blockbuster atual, que foca nos efeitos especiais para entreter as pessoas, sem se valer de enredos profundos e complexos.

Esse é o filme mais famoso de Meliès, Viagem à lua (1902), considerado o primeiro filme de Ficção científica da história. Quem nunca viu a famosa cena da nave espacial chegando à lua? 



Dentre os truques usados por Meliès em seus filmes, podem-se citar as "paradas para substituição", usadas para desaparecimentos e substituições de objetos. No filme abaixo, A mansão do diabo (1896), o uso dessa técnica é frequente: 



Antes de tratarmos do cinema de transição cumpre mencionarmos a influência dos ingleses da Escola de Brighton. Seus integrantes eram Alfred Collins, George Albert Smith e o principal deles, James Williamson, o pioneiro do cinema inglês. A Escola de Brighton rompe com o estilo de câmera fixa dos Lumières e Meliès, e filmam com a câmera em movimento, trazendo novas possibilidades estéticas. Nesse famoso filme de James Williamson, vemos o uso dessa técnica num close altamente criativo: 



O uso da câmera em movimento também pode ser visto nesse filme de George Albert Smith: 



A passagem do cinema de Atrações para o cinema de Transição ocorre aos poucos, não há um corte repentino. As narrativas vão aos poucos se tornando mais elaboradas e a atividade do Cinema se organiza em moldes industriais. A partir de 1905 começam a surgir os Nickelodeons, grandes armazéns abafados nos quais se exibiam filmes. Os ingressos custavam 1 níquel, ou seja, five cents, daí o nome (lembrando que Odeon era uma espécie de teatro grego coberto no qual se apresentavam músicos e poetas). Esses Odeons a 1 níquel se espalharam pelos EUA, deixando para trás a era dos Vaudevilles e marcando o início do cinema verdadeiramente industrial. Pelo preço barato, pode-se inferir que os expectadores eram em sua maioria pobres (por isso os Nickelodeons eram apelidados de teatros de operários). 



Odeon de Éfeso, Turquia


Nickelodeon


No cinema de transição já se percebe menos ação física e mais definição psicológica nos personagens. Além disso, filmes com mais de uma hora eram raramente exibidos em Nickelodeons. Os Nickelodeons vão declinando conforme o Cinema vai evoluindo. O público do Cinema cresce consideravelmente e os filmes vão ficando maiores, principalmente com o lançamento do filme "O nascimento de uma nação", de David W. Griffith, que estabelece os filmes longa como regra. Mas antes de falar da importância e polêmica envolvendo Griffith, destaco alguns filmes importantes desse período, porquanto nossa próxima aula já será sobre as vanguardas do século 20, começando pelo maravilhoso Expressionismo Alemão.

O filme russo Stenka Razin (1908) foi o primeiro filme dramático russo. Seu diretor Alexander Drankov foi um dos pioneiros do cinema russo. Não é dos filmes mais legais, porém vale pela música pelo menos: 








Os filmes de Max Linder também merecem ser abordados. Max Linder foi um comediante francês  muito talentoso que influenciou Charles Chaplin, entre outros. Com seu personagem malandro e namorador, ele fez muitas comédias, mas morreu na tragédia: se matou no auge da fama. Mas não fique triste, leitor, assista esses filmes dele: 







O filme Cabiria (1914) é simplesmente uma obra-prima. A Itália produziu outros bons épicos antes desse, mas Cabiria certamente é um divisor de águas. O filme conta a história da menina Cabiria sequestrada para ser morta em sacrifício ao Deus Baal na Segunda Guerra Púnica entre Roma e Cartago. O filme é grandioso, com muitos atores e cenários e figurinos impecáveis. A cena do templo de Baal onde ocorrem os sacrifícios das crianças é maravilhosa. O filme também trata do Cerco de Siracusa, que ocorreu durante a Segunda Guerra Púnica. Arquimedes, o grande matemático grego era de Siracusa e participou ativamente da defesa de sua cidade utilizando diversos utensílios por ele criados. O invento mais famoso foram espelhos que refletiram o calor do sol e fizeram queimar os barcos de madeira dos invasores romanos (a veracidade desse fato é contestada por muitos). A cena de Arquimedes atacando os navios é muito boa. Por fim, menciono a famosa cena da pirâmide humana, muito criativa. Assista fazendo um intervalo, o filme é grande. Mas assista, porque é realmente muito bom: 


Agora podemos tratar do diretor mais importante do período de transição, o americano David W. Griffith. 

D. W. Griffith


David Griffith trabalhou na Biograph, e entre 1908 e 1913 produziu mais de 400 curtas. Pode-se citar entre as características de sua filmagem o fato de sempre encenar a ação na frente da câmera e o uso das "Montagens Pararelas", para explorar contrastes entre ricos e pobres, bons e maus, etc. Influenciado pelo filme épico Cabiria, Griffith resolve investir nos longas e cria em 1915 "O nascimento de uma nação", talvez o filme mais importante da história do cinema, se eu tivesse que escolher um. 

A KKK do Tarantino no Django não é tão gloriosa assim


Nesse filme, o mais longo filme americano da época e considerado o precursor do cinema clássico, Griffith conta a história dos EUA desde a guerra civil americana, passando pela excelente cena do assassinato de Lincoln no teatro Ford até chegar num ponto extremamente polêmico: Griffith nos diz que os negros, após a abolição da escravatura alcançaram o poder, mas são retratados como uns bichos no parlamento, com os pés descalços no meio das reuniões. Então ele diz que para salvar o país daquela bagunça, daquela verdadeira anarquia negra, foi criada a gloriosa Ku Klux Klan. O filme causa repulsa nos dias de hoje, e na época também causou em algumas pessoas. Contudo, a diferença é que o racismo na época era uma opção política. Não que tenha sido uma escolha louvável. Tentar compreender não é perdoar, já dizia Hannah Arendt. Os cavaleiros da KKK surgem imponentes, e a mensagem que o filme passa é que a nação americana só nasce mesmo com a criação da KKK. Assista: 



No ano seguinte, para rebater as críticas que recebeu em relação ao conteúdo racista do filme O nascimento de uma nação, Griffith lança o filme "Intolerância", como se o problema fosse não de Griffith, mas sim dos intolerantes críticos. O filme, mais um exemplo de montagem paralela, trata de quatro histórias simultaneamente, uma na Babilônia, uma na Judéia (retratando a morte de Cristo), uma na França (massacre de São Bartolomeu) e uma moderna nos EUA. Assista e até a próxima aula!


domingo, 10 de novembro de 2013

CURSO DE CINEMA ARTÍSTICO - AULA 2 - THOMAS EDISON, AQUELE DA LÂMPADA




Thomas Edison, aquele da lâmpada



Pasmem, os irmãos Lumière não criaram o cinema. Dois anos antes da famosa exposição de 1895 dos irmãos franceses (que serão estudados na próxima aula junto com Meliès e Griffith), Thomas Edison, aquele mesmo da lâmpada, patenteou seu cinetoscópio, e no ano seguinte (1894) organizou o primeiro salão de cinetoscópios em Nova Iorque, no qual cada um dos dez cinetoscópios mostrava ao público filmes diferentes. 

Cinetoscópio

O brasileiro é engraçado, ele grava na memória “Thomas Edison, aquele da lâmpada”, e pronto, agora ele já sabe tudo sobre esse inventor, e pode passar a estudar outro grande homem, como Dostoievsky, aquele que disse “Se Deus não existe, tudo é permitido”. Na verdade, Thomas Edison registrou mais de 2000 patentes! A pergunta que fica é: será que ele criou todos esses inventos por ele patenteados? Muitos acusam Edison de ter roubado ideias de outros inventores, inclusive no tocante à lâmpada. O certo é que não podemos negar a genialidade desse homem. Falando em genialidade, é dele a famosa frase: “O gênio consiste em 1% inspiração e 99% transpiração”. Modesto...

Dentre “suas” principais invenções estão o fonógrafo, primeiro aparelho capaz de gravar e reproduzir sons (sendo que Edison tinha sérios problemas auditivos, o que não impressiona tanto porque sabemos que Beethoven compôs a nona sinfonia surdo), o referido cinetoscópio, o cinetógrafo, primeira câmera cinematográfica bem sucedida e o vitascópio, criado quando soube que o cinematógrafo Lumière viria aos EUA.

A mais grandiosa maravilha de Edison, o Vitascópio


Cinetógrafo



Havia uma verdadeira guerra entre os inventores pela primazia do registro de patentes. Todos eram também homens de negócio e lucraram muito com suas invenções (temos que reconhecer que se o capitalismo tem sérios defeitos, essa competição inerente à livre iniciativa certamente é um ponto positivo que contribui para o avanço da tecnologia). Estamos no século XIX e sua ideia de progresso científico. E nesse século, muitos inventos foram criados e aperfeiçoados, sendo que alguns foram precursores do cinema.

Pode-se dizer que o cinema vem da lanterna mágica e da fotografia. Quanto à primeira, existente desde o século XVII, consistia num espetáculo no qual o apresentador mostrava ao público imagens coloridas projetadas numa tela, através do foco de luz gerado pela chama de querosene. Vozes, música e efeitos sonoros também eram utilizados ali. A lanterna mégica, como espetáculo de massas, foi um precursor do cinema. 

Lanterna mágica

A fotografia foi determinante na criação do cinema na medida em que fotógrafos se empenharam em criar fotos em movimento (motion pictures). Um deles foi Étienne-Jules Marey, que criou um “fuzil fotográfico”capaz de registrar várias fases de um movimento numa única foto. Marey era um brilhante fisiologista e estudou o movimento de diversos animais, sendo dele a famosa tese de que todos os gatos caem sempre em pé. Meu amigo Diego, porém, provou que essa afirmação não é verdadeira, pois ao ouvir em sua infância que todos os gatos caem em pé, o pequeno Diego resolveu provar a veracidade da referida tese pegando um gato pelo rabo, girá-lo e arremessa-lo. O gato bateu de cabeça na parede e veio a óbito. Com isso, meu amigo aprendeu duas lições: 1- Nem sempre os gatos quando morrem caem de pé; 2- Gatos definitivamente não têm sete vidas.



Várias fases do movimento de um pelicano - Marey


Fuzil fotográfico de Marey, um fuzil que não tira vidas, mas sim louva a vida


O fotógrafo Eadweard Muybridge também contribuiu com seu zoopraxiscópio, que, apesar de não capturar imagens, dava a ilusão de movimento ao girar o disco.

Zoopraxiscópio


Também merecem ser mencionados como influências ao cinema os brinquedos ópticos do século XIX, como por exemplo o taumatrópio, fenaquistiscópio e o zootrópio.

taumatrópio, um lado com o vaso, outro com as flores




Fenaquisticópio

Zootrópio



Hora de voltar ao Edison para tratarmos dos seus filmes. Era Edison um diretor? Não, Edison possuía diretores que trabalhavam para ele, contudo seu nome é tão forte que atrai como um ímã todas as criações para si. O estúdio de Edison teve como principais concorrentes no início a Biograph, criada por Dickson, que usava o mutoscópio e a Vitagraph, de dois empresários do Vaudevile (o Vaudevile era composto de diversas apresentações diferentes, como musicais, ilusionismo, acrobatas, sendo que o cinema inicial se tornará mais uma dessas apresentações).




Apresentação de um Vaudevile



                                 
        
Mutoscópio 


Como exemplos de filmes de Edison, podemos citar “The kiss”, de 1896. O filme consiste numa curta cena de um casal se beijando. Tal filme causou uma enorme polêmica na época, sendo proibido em diversos lugares. Críticos acharam a cena repugnante. Eu achei bonita, mas sou do século XXI.





Cumpre mencionar também o “The great train robbery”, de 1903, o primeiro filme de velho oeste.






O filme Frankenstein, de 1910, é o primeiro filme sobre. Bem assustador para a época.



Agora o melhor de todos de Edison: “The land beyond the sunset”. Segundo o historiador de cinema William K. Everson, este foi o “primeiro filme genuinamente lírico”. Trata-se de uma verdadeira pérola do cinema primeiro. São aproximadamente 12 minutos de puro prazer, daquelas tristezas que a arte sabe transformar em prazer. O filme conta a história de um garotinho pobre, vendedor de jornal, que é oprimido pela avó. A fotografia é realmente inacreditável para um filme de 1912. A última cena me levou às lágrimas. Assista e até a próxima aula!





           














sábado, 9 de novembro de 2013

CURSO DE CINEMA ARTÍSTICO - AULA 1 - POR QUE ESTUDAR O CINEMA?




Eu não levava o Cinema a sério. Para mim ele se resumia a blockbusters americanos com tiros, explosões e morte, não podia sequer ser considerado uma Arte, como a Música, o Teatro, a Poesia. Eu não sabia o que era o Cinema, mas o desprezava. Eu era um completo ignorante.

Na verdade o Cinema é muito mais que isso, é uma Arte de verdade, feita por artistas de verdade. Se os artistas diretores de cinema tivessem nascido na Itália renascentista, teriam sido excelentes pintores, escultores ou arquitetos. Porém, por terem nascido em sua maioria no século XX, escolheram essa arte nova, com todas as suas novas possibilidades de expressão.

 O véu da ignorância foi retirado aos poucos, conforme fui aprendendo com meu mestre e amigo T. B. de Mello que o cinema possui vários movimentos, como o Expressionismo alemão, a Nouvelle Vague francesa, o Surrealismo, dentre muitos outros que serão estudados nesse curso. E hoje em dia, como está o Cinema? Eis que vos digo que o Cinema está em crise, na UTI enquanto arte. Uma grande contradição caracteriza o Cinema atual: Se em relação à tecnologia o Cinema avança e nos impressiona com seus efeitos especiais em 3D, em termos artísticos a queda de qualidade é notória. Tal característica beira o absurdo hoje em dia quando vemos filmes praticamente sem história, com foco total nos efeitos especiais, como é o caso do filme Gravidade, com George “ator de um papel só”Clooney e a péssima Sandra Bullock, atriz de filmes “E viveram felizes para sempre”, mentiras que não te preparam para as porradas da vida. Os efeitos em 3D do filme Gravidade são realmente fascinantes, precisamos admitir. Mas e a história, que deveria ser o principal? Não existe. Ou melhor, a história é essa: Uma missão espacial, dá merda, coisas explodem, eles tem que se salvar. Qualquer comparação com 2001, uma odisseia no espaço é não ser justo com o mestre Kubrick.

Vamos entender por que alguém cria uma história tão ruim como essa: Quando o maldito roteirista cria chorumes como o anteriormente descrito é evidente que ele não diz: “Pessoal, tive uma idéia brilhante, faremos um filme muito profundo!”. Nada disso, ele tem completa noção de que fez uma merda.  Na verdade, ele diz: “Pessoal, olha a minha idéia, vamos vender muito!”. Não se faz arte de verdade partindo do pensamento “como fazer um filme que venda muito?”. Só vendidos pensam assim (a imensa maioria). Por isso esse filme, assim como muitos outros, está condenado ao esquecimento; já as pérolas que trataremos nesse curso são eternas.

Maldita cultura de massa que reina nos nossos dias! Tudo é o consumo! A arte está capenga, ela simplesmente não funciona nesse mundo de massas consumista. Alguns bravos artistas insistem em escrever, fazer músicas, criar uma arte contemporânea, e conseguem criar uma arte de valor. Entretanto poucos dão atenção a eles, pois é preciso se demorar na contemplação de uma obra de arte, e o ser humano tem pressa. Um detalhe importante que contribui para a crise atual da arte é que muitos movimentos explodiram no século XX, muitos “ismos”, como Surrealismo, Dadaísmo, Expressionismo, Modernismo, Futurismo, ou seja, muitas formas de expressão foram esgotadas. O artista de hoje tem uma grande dificuldade de criar algo realmente original. Mas a arte não pode acabar. Se tudo já foi criado, escrevamos sobre o fato de tudo já ter sido criado.

Freud afirma que quando estamos inseridos numa massa, como um partido político ou exército, entre outras coisas nossa capacidade intelectual diminui. Quando ele escreveu isso, a sociedade não era composta dessa massa imensa de “consumidores pop com pressa” como vemos hoje em dia. Então apliquemos essa ideia da psicologia de forma mais abrangente: A grande massa existe e está aí engolindo a todos que ela consegue com seus dentes podres que rebaixam e igualizam. O ser humano que se deixa engolir por ela só sobrevive, sendo uma ovelha guiada pelos ditames do sistema. O cinema de blockbuster americano, com seus filmecos feitos para arrecadar milhões cumpre seu papel massificador com louvor.

Esse curso de História do Cinema tem um claro objetivo: Fazer com que mais pessoas deixem a massa, e passem a refletir, questionar, entender o mundo que nos cerca e sempre pensando na práxis: Transformar o mundo para melhor. Para isso, é necessário deixar a massa e se tornar um indivíduo, e o Cinema com letra maiúscula contribui e muito para tal, porquanto dá cultura e estimula a reflexão. Sejamos sinceros: É mais cômodo permanecer na massa. Fazer o que todos fazem é aceitação garantida. Muitas vezes você sofrerá por agir contra a ditadura do impessoal. Os que não pensam levantarão o dedo acusador contra você que pensa. A massa não aceita desertores, ela vai fazer de tudo para ter você de volta (seja forte, lembre-se de como Nelson Rodrigues tratava a unanimidade). Enquanto todos não pararem de pensar, não questionarem, não se vestirem igual e não fizerem as mesmas coisas, a massa, esse monstro real, continuará com sua maligna missão de, na era da robótica, te transformar num robô. Por favor, se as palavras desse parágrafo te tocaram, leia “Country of the blind” do Wells.

Você, leitor, que ainda não conhece o Cinema artístico, provavelmente vai estranhar os eventos não acontecerem tão rápido e a ausência de explosões e FBI em alguns filmes. Talvez inclusive esteja achando essa aula introdutória grande demais. Sabemos que você tem pressa, mas fique calmo, os filmes artísticos são mais lentos mesmo, e com a prática você sabe que o ser humano se adapta a tudo. Lembre-se que o objetivo é justamente esse, frear um pouco, demorar-se, para só assim refletir. Quando o mundo mágico do cinema mudo e em preto e branco se abrir para você, não julgue ele de cima para baixo do topo da sua montanha tecnológica: Eles são um convite a uma viagem no tempo, então entre nesse portal e julgue o filme com a tecnologia existente na época. Quando assisti o excelente filme mudo e em preto e branco “Siegfried” do grande Fritz Lang, com orquestra tocando a trilha sonora no Municipal, na parte em que o dragão aparece eu pensei: “Como ele conseguiu fazer esse dragão naquela época?”. O resto do público gargalhou, pois certamente comparou o dragão com os dragões super bem feitos da nossa alta tecnologia 3D. Ignorantes, riram de uma obra de arte de verdade. Por isso é bom assistirmos filmes com outras pessoas, pois faz parte do que chamamos Cinema a análise das reações dos demais expectadores.

 Sem dúvida muito aprenderemos juntos nesse curso. Assim como Hannah Arendt, uso o escrever como modo de compreender. Já espero comentários como, por exemplo, “Gostei, só ficou faltando falar do filme X”. Por favor, façam isso, lembrem-se de que também quero aprender, não é falsa modéstia. Quem me conhece sabe que quando sei falo que sei, quando não sei falo que não sei. Inclusive acho que isso é uma virtude, que está no meio de dois extremos, quais sejam, o metido que acha que sabe tudo e o modesto que se rebaixa a todo instante, mesmo quando tem talento, como Bertolt Brecht que dizia que era sortudo e não talentoso. Porém, não se esqueçam de que toda “História” é uma seleção. Todo autor seleciona a metodologia, os problemas a serem encarados, os movimentos artísticos e autores a serem abordados, bem como qual será seu foco. Terei como método o uso de uma linguagem direta e acessível e abordarei um a um os diversos movimentos da História do Cinema. Focarei nos filmes menos manjados, por motivos óbvios, e tentarei passar minhas impressões pessoais dos filmes que mais me marcaram, para ficar algo bem apaixonado. Terei como base o livro “História do cinema mundial”, organizado por Fernando Mascarello. As aulas serão publicadas no facebook semanalmente ou quinzenalmente ou catorzenalmente, assim que eu terminar a aula. Quero pesquisar, aprender e fazer algo de qualidade, portanto, sem pressa e sem pressão!

Quem me conhece sabe que sou muito eurocêntrico, e pretendo, pelo uso do Cinema, conhecer o Outro, como o “oriental”, o africano, o chinês e até mesmo o brasileiro, que, fato interessante, muitas vezes se mostra para mim como sendo o Outro. Para isso, pretendo após o término da apresentação dos movimentos dedicar aulas inteiras sobre o cinema Africano, Iraniano, Coreano, entre outros, mas para isso preciso estudar muito mais e ver muito mais filme. O Outro que me aguarde.

Além da busca pelo aprendizado, escrevo essa História porque quero passar conhecimento, não penso em publicar, tampouco em ganhar um centavo por ela (por isso provavelmente vai ficar bom). Nasci com um defeito de fabricação que me faz ter mais paixão pela vida, pela verdade e pelo saber do que pelo dinheiro. Sinto uma obrigação moral de passar adiante o conhecimento que adquiri. É algo muito forte que age em mim, um dever de responsabilidade que se transforma em culpa quando eu guardo o conhecimento no meu cérebro e não compartilho com os demais. Eu só conheci esse mundo mágico do Cinema porque um amigo me apresentou. Algumas pessoas conseguem fazer conquistas intelectuais sozinhas, outras precisam de um empurrão. Esse curso é o meu empurrão. Espero que gostem das aulas.


Vamos aumentar esse time de Indivíduos, porquanto somos muito poucos! Assim, nós, solitários em meio à multidão, seremos solitários em companhia.