quarta-feira, 1 de outubro de 2014

POR QUE NÃO CREIO?

Numa época de fome, peste e opressão
Com vero fervor
O homem esperou Deus.
Sim, Ele virá!
Meu Deus vai me salvar!
Séculos se passaram,
Deus não veio...
Então o homem trocou a fé em Deus
Pela fé no Marxismo.
Não mais esperar,
Mister era agir!
O rubro sangue de Jesus
Perdeu o poder;
Portanto foi trocado
Pelo vermelho da revolução!
Não mais ficar parado
De braços abertos;
Foice e martelo quebraram os cravos
Que prendiam o homem à sua cruz!
A revolução estourou,
Agora sim minha salvação virá!!!
Stalin veio...
E o homem percebeu que trocou Deus
Por algo bem pior.
O muro vermelho caiu
E esmagou o sonho comunista.

Hoje não há um substituto ao Marxismo.
Após esses dois fracassos
Não criaram uma “Fé do século XXI”,
Nada há em que se acreditar.
E foi nessa época que eu, homem, nasci...


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A IDADE DA INOCÊNCIA (DESCOBERTA)




PLAY MÁGICO


O prédio da Rua Grão Pará, 288, Engenho Novo, no qual passei meus primeiros dez anos de vida é simples, com pequenos apartamentos de dois quartos e sem varanda. Porém, o playground (e é só isso que importa a uma criança) era mágico! Pela ordem, primeiro havia a Gangorra. As crianças maiores, para meu desespero, adoravam me deixar “de castigo” no alto. Surfar usando a Gangorra de prancha também era comum. Logo após vinha o Balanço, um ao lado do outro. Nós gostávamos de saltar do Balanço quando ele estava bem alto. Acho que eu tinha o corpo fechado, porque fazia altas atrocidades como essa, mas nunca me machucava sério. A seguir tínhamos o Rema-rema, algo como uma versão infantil do temido Barco Viking. Eu, que sempre gostei de emoção, prendia o Rema-rema de um jeito que quando o soltava fazia um barulho ensurdecedor. Ao lado do Rema-rema havia o Escorrega, brinquedo perigosíssimo para crianças loucas como nós. Numa parte do Escorrega era possível se pendurar ficando de cabeça para baixo. Um dia, o Felipe, menino demoníaco muito mais velho que eu, ficou de cabeça para baixo ali. Ele estava usando um daqueles conjuntinhos bregas que ele sempre usava: short e camiseta com cores berrantes, como amarelo fluorescente ou roxo bem brilhante. Só não estava usando uma coisa: Cueca. Afinal, pra que usar cueca? Acaso o short estava rasgado? Estava. Então eis que uma gigante e peluda bolsa escrotal (famoso saco) resolveu pular para fora, para meu grande espanto. Foi então que pensei: “Ele tem mais cabelos ali do que eu na minha cabeça! É assim que eu ficarei quando crescer?”. Me perdoem, eu estava na Idade da Inocência...

Finalizando os brinquedos propriamente ditos, tínhamos o Roda-roda, que já me fez vomitar umas três vezes e deveria ser proibido por lei. Por que chamo esses de brinquedos propriamente ditos? Porque existiam também os Brinquedos Impróprios ou Por Equiparação, forjados pela nossa criatividade. A rampa da garagem, por exemplo, era na verdade uma rampa para descermos de skate ou bicicleta. Acidentes eram constantes, mas sempre continuávamos, pois nunca houve óbito. A própria garagem não servia para guardar carros, mas para brincarmos de pique-esconde. E o muro de tijolos vermelhos que havia na lateral esquerda do play não estava ali para delimitar nada, mas sim para ser escalado. Eu era um dos poucos que tinha coragem de subir até a parte mais alta do muro, e me sentia o rei do mundo por isso.

Agora imaginem esse play, grande, arejado, cheio de brinquedos e coberto de azulejos com desenhos de personagens da Disney? Exato, pura magia. Esse play era o lugar mais próximo da Disney para as crianças do Engenho Novo naquela época. Os anos noventa não foram fáceis.


A CRIANÇA É MÁ, A SOCIEDADE ÀS VEZES A CONSERTA


O play vivia sempre cheio de crianças (hoje, quando vejo um play vazio, minha alma também fica vazia). Além do Felipe, eu brincava com as irmãs Bruna e Camila. A Camila era linda e muito má; a Bruna era boa, porém menos bonita. Vejo esse padrão se repetir com frequência por aí, irmã bonita/”má”; irmã menos bonita/boazinha. Também lembro do Alexandre, menino legal, engraçado e capeta; da Viviane e Cristiane, irmãs, sendo que a Viviane era mais bonita, logo, sabemos quem era a má e a boazinha. O rol é meramente exemplificativo, eram muitas crianças e o texto deve prosseguir. Nesse mundo mágico não poderia faltar a princesa: A Roberta, menina linda, magra, branca, traços finos e dos longos cabelos lisos e negros.

Todos esses e muitos outros, com exceção da Roberta, eram mais velhos que eu, a maioria era até adolescente já. Eu e Roberta éramos da mesma idade, então a aproximação era algo natural, bem como o bullying por parte das crianças, más por natureza (será que Rousseau conheceu alguma criança?).

Uma das maiores maldades que as crianças fizeram (mais precisamente a Camila), foi pegar pelas antenas uma barata cascuda morta e colocá-la à força na boca da pobre Roberta. Eu assisti a essa tortura de perto, calado e com medo de ser a próxima vítima. Roberta subiu chorando, Camila deu uma gargalhada doentia e eu me senti, com razão, o maior covarde da história mundial.

Um bullying frequente e não tão maldoso, mas que me incomodava absurdamente era quando as crianças maiores diziam: “Hugo é namorado da Roberta!”. Bom, ao mesmo tempo que eu não gostava, eu sabia que sentia pela Roberta, não o Agape, e certamente não o Eros, mas sim o Filos, esse amor-amizade grego. E sentia também que era correspondido. Nós sempre negávamos a insinuação, mas ninguém acreditava, porque de alguma forma demonstrávamos o mútuo sentimento.

Num belo dia, Roberta espertamente teve uma ideia genial: “Hugo, já sei como fazer com que todos parem de nos chatear: Vamos namorar!”. Até hoje não sei se isso foi meramente uma estratégia para se defender do bullying ou se ela usou isso de desculpa para me namorar. Só sei que aceitei na hora.


MEU PRIMEIRO “AMOR”


Além de aliviado, fiquei feliz mesmo. Minha primeira namorada! Como seria isso de namorar? Mesmo criança, eu já sabia que isso haveria de ser um marco na minha vida, uma fase de descoberta. Só não imaginei que Descoberta significaria descobrir a Roberta...

Roberta costumava me chamar para brincarmos em sua casa. Nós não contamos aos nossos pais sobre o namoro, por vergonha e medo (só as crianças souberam, e o bullying naquele aspecto realmente cessou). Por isso eu morria de vergonha de estar na presença dos pais dela. Mas eles eram muito amáveis, porque sempre pediam pizza de mussarela para nós (na primeira vez que eu comi pizza de mussarela, perguntei aos pais dela se era uma pizza sem sabor). A família da Roberta morava no quarto andar, o último do prédio. Por causa disso eu achava que era o andar dos ricos.

Essa fase inicial do namoro consistia em montar quebra-cabeças e jogar jogos de tabuleiro, como o Jogo da vida. Eu sempre tirava a profissão advogado, e ficava contente por isso (ah, a Idade da Inocência...). Quem vinha atrapalhar nossa vida era o Leonardo, irmão mais velho da Roberta, verdadeira peste. Uma vez ele chutou de propósito o tabuleiro do jogo e todas as peças saíram do lugar. Ele não fazia essas coisas por ciúme da irmã, que só andava comigo. Ele era chato incurável mesmo. Eu odiava ele, mas morria de medo daquele branco magrelo gigante. Leonardo era tão mau elemento que foi convidado a se retirar do colégio, por causa de constantes brigas. O inocente aqui pensou na época: “Ora, por que ele não recusa o convite?”.

Uma coisa me deixava completamente constrangido quando brincávamos na casa da Roberta. Frequentemente, o pai da Roberta dizia na minha frente: “Roberta, agora papai e mamãe vão tomar juntos um banho na banheira”. Roberta, acostumada, achava isso natural, mas eu sabia que eles faziam aquele tal de sexo. Ora, nenhum banho dura uma hora e meia! Eu era inocente, mas não tapado. Que pais moderninhos! Meus pais não tomavam juntos banho na banheira (ok, só os ricos do quarto andar tinham banheira).


PRIMEIRO BEIJO


Num outro belo dia (tudo de bom acontece num belo dia) os dois pombinhos estávamos no balanço, e não havia mais ninguém no play. Foi então que Roberta soltou: “E se a gente beijasse na boca?”. Só não parei instantaneamente o balanço porque a Física não permitiu. “Beijar na boca? Não sei fazer isso!”. “Ah, a gente começa com selinho, depois partimos pro beijo de língua”. “Selinho? De língua?”. “É, vamos começar com o selinho, naquele canto do play escondido ali”. Então lá fomos nós para o cantinho em forma de U, antes só usado para se contar no pique-esconde, e que eu dolosamente omiti na descrição do play. Mas afinal, o que passou na cabeça do engenheiro que desenhou um cantinho escondido, em forma de U, num play de criança? Era óbvio que ia dar problema...

Eu estava muito nervoso e suava frio. Ela rapidamente disse, para meu alívio: “É assim, oh”, e colou sua boca na minha. Uau, selinho é muito bom! Trocamos inúmeros selinhos, não apaixonados, mas cheios de afeto. Eu já havia retomado a calma, e estava feliz por ter dado meu primeiro beijo. Eis que Roberta diz: “Agora de língua!”. “Opa, calma! De língua? Mas não é nojento?”. Eu pensava na saliva... “Bom, se você não quiser, tudo bem”. Roberta respeitava meu corpo, minhas regras.

Enquanto ficamos só na base do selinho eu não sentia culpa, só alegria. Nós tínhamos um segredo! Pela primeira vez me senti superior às crianças mais velhas. Mas Roberta queria mais, e creio que o exemplo de seus pais liberais influenciou muito nesse aspecto.


DESCOBERTA


O dia estava belo, e nós estávamos novamente sozinhos no play. Enquanto rodávamos-rodávamos, ela disparou: “E se a gente ficasse pelado e um visse o outro?”. Acho que nunca fiquei tão envergonhado na minha vida. “Jura? Por que isso?”. “Bom, é o que namorados fazem, né?”. Sim, um forte argumento! Era o que os namorados faziam, por que não fazer?

Então lá fomos nós de novo para o nosso cantinho em U. A pedidos, fui o primeiro, arriando o short devagar, hesitante, no meio do Pateta, Mickey e cia. Ela observou com muita curiosidade, e, nem seria necessário mencionar, com muita inocência. A criança é má, porém pura, ali um apenas desejava conhecer O Outro. A seguir ela disse: “Agora é a minha vez”. Uma ansiedade me invadiu naquele momento. Finalmente iria contemplar o órgão feminino, a famosa periquita, aquele tabu, que as mulheres escondem de todos com suas roupas. Primeiro ela disse: “Meu peito é assim”, e levantou a blusa escrito Bazooka, que segundo ela se lia Bazóka, porque "álcool" tem dois “o” e se lê assim (a teoria até que era boa...). O peito dela era igualzinho ao meu, não teve graça alguma. Após isso, Roberta abaixou seu shortinho rapidamente. Uma rachadura??? Uma pequena rachadura! Só isso? Nem tem pelos como o sacão do Felipe! Então essa é a famosa periquita, que de periquita não tem nada? Foi o que eu pensei na hora decepcionado. E pensar que por causa dessa pequena rachadura eu iria fazer loucuras no futuro, que inclusive afetariam grandes amizades minhas...

A partir daquele dia, o conhecido “mostra-o-seu-que-eu-mostro-o-meu” se tornou frequente, não só no cantinho em U, como no meu apartamento. Quando enjoávamos de brincar de jogos de tabuleiro, a Roberta, sempre ela, tomava a atitude e dizia: “Vamos tomar banhos juntos?”. Eu, como sempre, concordava. Minha avó Gerusa, que era cega, ficava o dia todo em casa. A gente esperava pacientemente a minha vó ir à cozinha, então nos trancávamos no banheiro. Eu achava que por ser cega, minha vó não saberia de nada, mas a ceguinha era capaz de ouvir como ninguém o barulho do chuveiro, e sentir o cheiro de sabão, xampu e creme. Um dia fomos pegos no flagra, pulando etapas e tomando banho juntos, como os adultos. Vovó perguntou preocupada: “Hugo, Roberta, o que vocês estão fazendo aí trancados?”. Eu fiz sinal para a Roberta ficar quieta e disse, com aquele tom de voz que entrega o erro: “Vó, estou sozinho no banheiro, dá licença?”. Me sequei, coloquei num segundo a roupa e saí do banheiro na cara de pau. Roberta ficou escondida dentro do box abaixada; minha vó fechou a cara e voltou contrariada para a cozinha.

Por essas e outras comecei a perceber que estava fazendo algo errado. Começou a brotar em mim um sentimento profundo de culpa. No domingo, na igreja, o bispo falava sobre pureza e eu sofria com dor na consciência. Mas a gente só fazia mais e mais aquilo (tenho certeza que vocês leitores de alguma forma já atestaram por experiência própria a veracidade da afirmativa “tudo o que é proibido é mais gostoso”). Na banheira nunca tivemos coragem de tomar banho, a Roberta não tinha uma vovó cega.

Quando estávamos mais uma vez no nosso cantinho em U, naquele nosso refúgio onde éramos livres, Roberta, a criança insaciável, foi longe demais: “E se eu desse um beijo no seu, e você um beijo na minha?”. “Opa, calma! Um beijo aí? Mas não é nojento?”. Eu pensava na urina... Bom, se você não quiser, tudo bem”. Essa menina era um poço de respeito.


FIM DO SONHO


Às vezes a gente brigava e ficava de gelinho, e, num dia nublado, por um motivo bobo desses de criança, eu “cortei” os dois dedos mínimos dela unidos, e ficamos sem nos falar por muito tempo. Para não ficar sozinho, eu ia muito brincar com a filha do zelador. Ela fedia a fezes humana, e um dia descobri o motivo, quando brinquei na casa dela e vi pelo buraco da tábua da porta do banheiro enquanto ela fazia suas necessidades, sem cerimônia alguma: Ela nunca se limpava. Pensei em falar pra ela, no intuito de educá-la, mas não tive coragem. A coitada, por falta de instrução, deve andar cagada por aí até hoje. A mulher do zelador, mãe dela, não tinha nada na cabeça. Um dia ela brincou de amarelinha comigo, grávida. Eu perguntei, com toda a sapiência de uma criança de nove anos: “Isso não é perigoso pra saúde do bebê?”. E ela “Claro que não!”. O bebê morreu...

Roberta ficava de longe, nos vendo brincar e morria de ciúme. Eu sentia muita falta dela, e provavelmente ela de mim, mas por orgulho um não foi lá estender ao outro os dois dedos indicadores unidos para serem “cortados”, e assim reatar nossa relação de amor/amizade.

Foi então que, num dia frio e escuro ouvi no play um barulho de carro e gente conversando. Quando olhei pela janela do meu quarto, não podia acreditar no que via: A família da Roberta estava colocando utensílios da casa no carro, fatalmente iriam se mudar do prédio! Roberta não havia me dito nada por causa do nosso maldito gelinho. Como um louco, coloquei a primeira roupa que vi e desci descalço mesmo, de escada, quase voando. Só deu tempo de ver o carro deixar o prédio com meu primeiro amor, para um lugar desconhecido e pra sempre. Enquanto o carro saía, vi Roberta no banco de trás se virando, como se sentisse minha presença, e olhando pra mim um olhar triste e assustado. Eu fiz o mesmo e ninguém acenou com a mão ao outro. Naquele momento senti minha primeira dor por amor, a espécie de dor mais intensa que esse vasto mundo de dores possui (outras muitas me aguardariam no futuro). Após o portão abrir, o carro deixou o prédio lentamente, e eu fiquei no corredor da garagem sozinho com minhas lágrimas.


                                                               FIM








quarta-feira, 6 de agosto de 2014

A MULHER DE ZUMBI DOS PALMARES


Guerreira baiana,
A tua vida é luta pela liberdade.
É luta, mas também é dança e jogo.
Calor, Pimenta, Ritmo, Gingado,
Por ti fui enfeitiçado;
Por ti fui infectado.
Queria que tu fosses meu Porto Seguro,
Mas tu me quiseste apenas como teu Rio.

Guerreira baiana,
A tua profissão é atriz de teatro.
É atriz, mas não atuas na vida real.
Nesta tu só toleras Verdade,
(Doa a quem doer;
Doa em mim doeu).
O teu coração só batia,
O meu batucava...

Por isso me disseste:
“O que tivemos não me marcou”,
E essa pontiaguda verdade
Meu peito acertou.
Aos futuros conquistadores
Um aviso deixo aqui:
Ninguém prende a mulher de Zumbi.

terça-feira, 10 de junho de 2014

NÃO, VAI TER COPA

Não vai ter mundial algum
(Brasil, tum-tum-tum!)
Cansamos dos escândalos de corrupção
(Salve a seleção!)
O sonho do PT por terra cai
(Em cima, embaixo, puxa e vai!)
Milhares de remoções pela Fifa vil
(Lê-lê-ô Brasil!)
E o que dizer dessa piada chamada SUS?
(Ai, ajuda, Jesus!)
Temos estádio, mas não temos escola
(Toca a bola!)
Com tanta pobreza como posso me animar?
(Vai, Neymar!)
Portanto manifestação eu faço
(Que golaço!)
Agora o gigante acordou
(Goooooooooooool!)
Eu quero o melhor pro povo desse país
(Acaba, seu juiz!)
Enfrentemos o Choque, fascista tropa
(Ganhamos a copa!)
UPP não resolve, a situação é mais complexa
(É hexa!)
O povo unido pode vencer
(Vamos beber!!!)


sábado, 7 de junho de 2014

ROHINI

Numa flor de Lótus no Malawi azul
nasce Rohini de uma família hindu.
Do Canadá, seu lar, vai à Machu Picchu,
ruínas quer contemplar naquele sítio.
Então conhece a cidade antiga e a mim.
E me seduz com o aroma de Jasmim.


Seus belos olhos negros de Sherazade
denotam sapiência e imensa bondade.
Bondade tamanha que não se limita
à raça ou países, é cosmopolita.
Beijos que sabem a cravo e noz-moscada,
sim, Rohini, tu foste idealizada.


E creio que o mesmo comigo ocorreu,
meus vícios vários a distância escondeu.
Portanto, não me ames, querida Rohini;
ama a valorosa distância sublime.
A distância, com benefícios sem igual,
é a única que mantém o Hugo ideal.


O véu de Maya não podes levantar,
meu eu real tu não deves vislumbrar.
Fuja dessa iluminação verdadeira,
luz que no sentimento só faz fogueira.
Assim como Buda, Siddartha Gautama,
não quero sofrer, anseio por Nirvana.


Agora minha filosofia muda:
Troco os sofrimentos de Werther por Buda.
Porém um Buda um pouco modificado,
Nirvana alcanço sem ser iluminado.
Tampouco pretendo anular a vontade,
mas sim manter a ilusão desse amor light


Fiquemos juntos, porém sempre distantes.
As dores do amor conheci anos antes.
Com elas já aprendi, delas eu nasci,
Não há por que tal sofrer repetir
Do lema da espanhola Santa Tereza
“Sofrer ou Morrer”, eu fujo com certeza


Quando há distância, não há cotidiano.
Se nos encontrarmos uma vez por ano,
cada momento inesquecível será,
e doce saudade sempre baterá.
Se mantivermos a ilusão para além,
uma vez serei perfeito para alguém.








quinta-feira, 15 de maio de 2014

FUGERE URBEM




A metrópole é um grande erro.
Fumaça, barulho, dinheiro, pressa,
Tanta pressa que escrevo enquanto janto.
Quero ouvir Britten, mas a britadeira não deixa.
Quero ouvir Vivaldi, mas o "chip da VIVO é cinco reais",
Gritam as vendedoras, com a voz mais irritante do mundo
(Deve ser pré-requisito, vai entender).
Amanhã já sei que o engarrafamento me espera.
Olho para cima, buscando conforto em meio ao caos
E me deparo com gigantescos e opressores espelhos
Que refletem todo o nosso vazio.
A alma do homem pós-moderno
É retratada fielmente por essa nula arquitetura.
Calem-se auto-falantes! Calem-se sirenes! 
A cidade é um grande incômodo para mim.
Queria largar tudo e ir pro campo!
Ah, o campo...

Mas espere: eu não gosto do campo!

O campo, com seu verde monótono e eterno
E algumas flores, com as quais eu finjo me importar
Quando escrevo sobre flores.
Em verdade não sei seus nomes, e desconheço seus perfumes.
O campo? O campo fede à bosta de cavalo!
Eu não suportaria viver um minuto lá
Com seus habitantes rudes, sem instrução e com chapéu
(Sim, eles adoram um chapéu).
Nada acontece no campo; o silêncio do ócio
Só é quebrado pelos irritantes grilos, bichos certamente infernais.
E o que dizer dos mosquitos à noite, zunindo Korsakov 
Chupando meu sangue e transmitindo dengue?
E o molho pardo da galinha caipira? Puro sangue!
E o queijo dos amadores fazendeiros? Puro leite!
Eu não tenho a alma de um Horácio Hippie
O campo é um grande incômodo para mim

E se só há cidade e campo
Eu não tenho para onde fugir.




segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

CURSO DE CINEMA ARTÍSTICO - AULA 4 - EXPRESSIONISMO ALEMÃO








Hoje trataremos do Expressionismo alemão no Cinema. Mas antes vamos fazer uma retrospectiva da História da Arte em tempo recorde.

Se para Marx a história é a luta de classes,  a história da arte é marcada por outra luta: A luta entre a bela Ratio greco-romana e o forte Pathos nórdico.  Algo como um eterno retorno, uma alternância entre essas duas formas de expressão caracteriza a história da arte, senão vejamos.

De acordo com o genial historiador da arte Wilhelm Worringer, em seu livro Formproblem der Gotik, o homem primitivo vivia com medo, e não havia compreendido o mutável e misterioso mundo no qual habitava. Então ele cria a Religião, a Linguagem e a Arte, de modo a obter segurança e prazer em meio ao Caos. Na arte, esse escape da vida do homem primitivo, ele expressa sua ânsia por conforto e satisfação por meio da Linha, única abstração que o homem primitivo é capaz de apreender, bem como a única representação do que não é vida. Depois, ele evolui para a representação de formas geométricas.

Já com o Homem Clássico, cujo melhor exemplo é o helênico, há um ajuste entre o Homem e o Mundo Externo, ou seja, o Caos virou Cosmos. Em virtude da inteligência humana, a vida fica mais agradável, tudo faz mais sentido, e o homem vira antropocêntrico. Aqui a arte não mais é escape, mas sim louvor à vida. O divino para o homem clássico não está no ultramundano como acreditava o homem primitivo, mas sim neste mundo. O panteísmo demonstra isso, e a antropomorfia atinge seu clímax, dando origem à religião/mitologia. No mundo clássico ocorre um processo gradual no qual a religião é substituída pela ciência ou filosofia. Há então uma relação suplementar: Onde a ciência falha, a religião entra. A arte clássica é calma, proporcional e equilibrada, e representa diretamente a natureza.

Apolo de Belvedere

         O Gótico dos nórdicos, por sua vez, se caracteriza por ser tenso, transcendental, assimétrico, abstrato e representa a natureza apenas de forma distorcida. Sua base se desenvolve pelo estilo geométrico e de linhas do homem primitivo. As linhas nórdicas primitivas tem um poder imenso e independente, são como labirintos e possuem uma “melodia infinita”. Seus ornamentos primeiramente consistem em pontos e linhas, evoluindo posteriormente para linha curva, espiral, zig-zag e forma de S. Essas linhas excitadas e convulsivas demonstram a grande opressão e inquietude que os nórdicos sentem no seu interior. Essa mesma vontade espiritual por algo elevado e não sensitivo característica dos ornamentos nórdicos vai gerar a sublime catedral gótica, esse transcendentalismo em pedra, ponto mais alto do gótico. O que dá a ideia de transcendentalismo e eternidade na catedral gótica é a sua verticalidade. Gótico e clássico são mundos completamente distintos. Por isso não é de se espantar que uma alma clássica e acostumada ao belo como Giorgio Vasari, o pai da história da arte, tenha desprezado o gótico como sendo feio, bruto e bárbaro. O grande Vasari foi incapaz de compreender o gótico, suas premissas e o que esse estilo exprimia.

Ornamento gótico

         A arte ocidental permanece gótica até o advento do Renascimento. Aqui o Pathos se retira e temos um retorno à Ratio clássica e seus ideais de perfeição, simetria e beleza. Os alemães foram influenciados pelo Renascimento a ponto de haver existido um Renascimento Alemão. Segundo o mesmo Worringer, grandes artistas do Renascimento alemão como Holbein e Dürer se valeram da forma clássica, todavia o conteúdo de sua arte e sua vontade ainda eram góticos. Comparando o Renascimento italiano com o alemão pode-se afirmar que no primeiro, cujo ponto mais alto é Michelangelo, temos a mais forte representação de energias sensoriais; já o Renascimento Alemão é caracterizado pela mais forte representação de energias espirituais.

Davi, de Michelangelo

         Até aqui são ideias de Wilhelm Worringer. Agora continuarei demonstrando, de forma resumida, a continuidade dessa disputa entre Pathos e Ratio


           No final do Renascimento temos o Maneirismo, ou seja, é o Pathos já farto das formas perfeitas e louco para distorcer.


Giambologna, O rapto da Sabina


         Até que vem o Barroco e o Pathos realmente retorna com toda a sua força, caracterizado por uma reação religiosa aos ideais pagãos dos humanistas. O Barroco, tal qual o gótico, tem caráter transcendental e é todo movimento e atividade impaciente.

Rubens, Massacre dos inocentes


         No final do Barroco temos o Rococó, sua versão profana, caracterizado pelo exagero na decoração. Se hoje em dia um rico ignorante ostenta com uma Ferrari, o Rococó era o modo como ricos nobres europeus ostentavam na época. No Rococó ainda há o Pathos presente no Barroco; ele é exagerado e preza pelas formas assimétricas.

Jean-Honoré Fragonard, O balanço

        Mas a Ratio não ia deixar barato e retorna com o Neoclassicismo, contra os excessos decorativos do Rococó. O Rococó é acusado de ser superficial e preocupado somente com decoração. Seu opositor, o Neoclassicismo, é moderado, equilibrado, ou seja, a história se repete.

Antonio Canova, Teseu e o Minotauro

       Cansado deste mundo certinho e perfeito o Pathos retorna sob a forma do Romantismo. Agora reina a imoderação, a força e a idealização da realidade.

Caspar David Friedrich, O viajante sob o mar de névoa

       Mas aí a Ratio se pergunta: “Não estamos com o Romantismo nos afastando da realidade e de seus problemas?”. Então surge o Realismo, contra a idealização romântica da realidade.

Gustave Courbet, Os quebradores de pedras

      Até que o Modernismo grita: “Basta dessa briga! Basta de tudo! A tradição está ultrapassada, vamos superá-la!”. Então ele busca novos caminhos, novas formas de se expressar em todas as artes, e entre um monte de “ismos”, ufa, temos o Expressionismo. Como será visto a seguir, o Expressionismo é todo Pathos, o que leva a crer que esse “novo caminho” não é tão novo assim.




Ernst Ludwig Kirchner, Auto-retrato como soldado

      Hoje vivemos no maldito Pós-Modernismo, sem Ratio, sem Pathos, essa verdadeira bagunça na qual vale tudo, todos falam nada e não há um caminho definido. Mas vamos falar do Expressionismo, porque ali o ser humano ainda criava uma arte viva.

      Diferente do Impressionismo, que era mais objetivo, o Expressionismo é totalmente subjetivo, sua ideia consiste em demonstrar atmosferas emocionais. A pintura é a primeira arte expressionista. No ano de 1905, nomes como Ernst Ludwig Kirchner, Emil Nolde e Max Pechstein criaram em Dresden o grupo Die Brücke (A ponte) dissolvido futuramente devido a inúmeras desavenças entre os membros.. Já Franz Marc, Kandinsky e Paul Klee criaram em Munique o grupo Der Blauer Reiter (O Cavaleiro Azul) em 1908. Mas o maior nome do Expressionismo é membro do Expressionismo Nórdico, o grande Edvard Munch. Quando se analisa os cenários dos filmes expressionistas têm-se a impressão de estar dentro daquele ambiente do quadro O Grito, de Munch (é interessante mencionar que os cenários dos filmes expressionistas eram pintados por artistas de verdade, mas muita calma, ainda não chegamos no Cinema).

O grito, Edvard Munch

         Nesse famoso quadro vemos a ausência de realidade, distorção, demonstração patente de uma atmosfera emocional, ausência de belo, Pathos, assimetria, inquietude, ou seja, é o expressionismo por excelência que, notem, possui as mesmas características do gótico. O grito é sem dúvida um dos quadros mais geniais já feitos. Percebam que o personagem que grita ficou desesperado desse jeito após cruzar na ponte com os dois homens da alta sociedade, ou seja, após conhecer a vazia vida burguesa, e aí o contraste é sensacional: Os dois homens estão completamente adaptados a essa sociedade de aparências, e estão representados pelo amarelo do céu, essa cor cheia de vida; Munch, digo, o homem que grita, por sua vez, demonstra um desespero que emociona os que contemplam o quadro. Parece que o mesmo está derretendo ante tamanho sofrimento, e é representado pelo gelado azul do rio. Seu rosto é cadavérico e seu corpo está completamente distorcido, contrastando com os corpos mais realistas dos dois homens. Mais nórdico impossível...

           Além da Pintura, o Expressionismo floresceu na Poesia, com o Neopathetisches Cabaret, que visava justamente expressar atmosferas emocionais a partir de imagens literárias; na Música, com a arte atonal de Schoenberg e seu dodecafonismo; no Teatro, com Max Reinhardt, que focava no mundo interno do personagem (em geral só havia o personagem principal nas peças) e até na Dança, com Rudolf von Laban e suas coreografias espontâneas e emocionais. Analisadas as indispensáveis bases, hora de nos determos no Cinema Expressionista.

      Se analisarmos o Cinema não pela técnica, mas pela expressão da vontade, o Expressionismo certamente figura no auge da sétima arte, porquanto sua vontade é viva e poderosa. O cinema alemão personifica o espírito da República de Weimar, ou seja, da Alemanha pós-império, pós-primeira guerra mundial. Seu cinema anterior, também chamado de “cinema Guilhermino” em alusão ao Kaiser alemão Wilhelm II (tão antissemita quanto Hitler) que abdicou em 1918 e se exilou, é um cinema bem fraco em comparação com o cinema expressionista de Weimar. Críticos mais ferozes consideraram os filmes dessa época como um monte de sucata. Após a derrota da Alemanha na primeira guerra mundial, se inicia a República de Weimar, um governo fraco numa nação acostumada com imperadores e ausência de democracia, e numa época de grave crise, fome, e pós-tratado de Versalhes, que humilhou os alemães com uma série de imposições como perdas territoriais, altíssimas indenizações e impossibilidade de se equipar decentemente suas forças armadas. Ou seja, é preciso afirmar que aquela época não pedia um governo fraco (também não pedia um bando de assassinos no poder, pois nenhuma época pede isso, que fique bem claro). Não é à toa que Weimar foi um fracasso.

          Os diretores dos filmes expressionistas agiam como verdadeiros profetas antevendo o surgimento de ditadores com poderes absolutos, que controlam as massas e pisam nas liberdades e direitos humanos. Essa temática era frequente e certamente não se tratou de uma coincidência. A norte-americana Barbara Deming afirma: “Persistentes reiterações dos temas de filmes demonstram uma projeção exterior de impulsos internos”. 

         O filme que inaugurou essa temática é O gabinete do Dr. Caligari (1920), de Robert Wiene, um dos filmes mais importantes da história do Cinema. Um crítico definiu o filme como sendo a “primeira tentativa significante de expressão de uma mente criativa no cinema”, enquanto que outros consideraram Caligari a primeira obra de arte das telas do Cinema (o que eu discordo, porquanto muitos filmes verdadeiramente artísticos foram feitos antes dele, que a meu ver é apenas um divisor de águas imenso na história do Cinema).



          Sucintamente e sem dar muito spoiler, a história do filme é a seguinte: O Dr. Caligari apresenta um show com seu parceiro hipnotizado Cesare, um homem capaz de prever o futuro. Porém, uma série de assassinatos ocorre na cidade e a dupla passa a ser suspeita pelo cometimento dos crimes. Os autores do roteiro Hans Janowitz e Carl Mayer, dois pacifistas, quiseram criticar a guerra e a autoridade com Caligari. O Doutor tem uma autoridade ilimitada, idolatra o poder como tal, e para satisfazer seu desejo de ambição ele viola todos os direitos humanos e valores. Cesare, o hipnotizado é apenas um instrumento nas mãos de Caligari. Lembra muito alguém numa época não tão distante, não é verdade?


         O autor escolhido inicialmente foi Fritz Lang, mas, ocupado em outro filme, o mesmo não pôde assumir o compromisso.  Então Robert Wiene é escolhido. Wiene faz algumas críticas ao roteiro, a dupla de roteiristas protesta, porém o filme é modificado. Segundo Siegfried Kracauer no excelente livro “De Caligari a Hitler”, “Enquanto a história original deveria expor a loucura inerente à autoridade, o Caligari de Wiene glorifica a autoridade e condena seus antagonistas à loucura. Com isso Wiene agrada o gosto das massas menos educadas”. Poderíamos acrescentar que com essa modificação ele retrata os anseios do povo alemão.

         A intenção de Kracauer é, pelo Cinema, entender a ascensão de Hitler. Hitler disse que quem não entende Wagner não entenderá o nazismo. Eu acrescento: Quem não entender o Cinema Expressionista não entenderá como o povo alemão foi capaz de apoiar o nazismo. Para Kracauer os filmes do pós-guerra expuseram a alma alemã. Uma de suas teses é que a técnica, o conteúdo das histórias e a evolução dos filmes de uma nação somente podem ser compreendidos completamente quando relacionados com o padrão psicológico real dessa nação.  No entender dele, os filmes de uma nação refletem a sua mentalidade de modo mais direto que as demais artes por duas razões:

1 – Um filme nunca é produto de apenas um indivíduo;

            2 – Os filmes se dirigem às massas anônimas. 

        Uma temática recorrente não só no Cinema alemão como na arte alemã é a busca pelo poder mediante a perda da própria alma, cujo principal exemplo é o Fausto. O que ocorreu na Alemanha nazista foi exatamente o pacto com o diabo do Fausto, O estudante de Praga, As mãos de Orlac, Peter Schlemihl e tantos outros: A busca pelo poder; o preço: a própria alma do povo alemão. E que poder almejado foi esse? Vingança da derrota humilhante na primeira guerra (lembrando que a Alemanha é um país que tem tradição militar, principalmente em se tratando da antiga Prússia), conquistas que fizeram ela voltar a ser uma potência, empregos, expulsão de povos indesejados, criação de um povo com homens superiores, etc. Ou seja, a ascensão do nazismo é como o cumprimento de uma profecia contida na Literatura e Cinema alemães. É por essas e outras que a história da Alemanha é uma das mais incríveis, sendo quase inverossímil. Um gênio já disse que a realidade é o que há de mais inverossímil. 

       Sendo bem claro, defendo o seguinte ponto: A temática dos filmes expressionistas alemães da década de 20 demonstra que o povo alemão estava disposto a pagar qualquer preço, inclusive abrir mão de sua liberdade, para que um ditador tomasse o poder e salvasse a Alemanha.

      Quanto às características dessa arte que expôs os anseios da alma alemã, é possível remeter suas origens à antiga arte gótica anteriormente citada. Segundo Worringer, o gótico transforma tudo em misterioso e fantástico. Atrás das aparências óbvias, ele vê sua caricatura disforme, atrás da vivacidade das coisas, ele vê mágica e mistério. A realidade é distorcida, tudo que é real se torna grotesco. Todas essas características estão presentes no cinema expressionista. Para se obter a mencionada distorção, os diretores usaram além dos cenários, maquiagem, escuridão, jogo de sombras e caras e bocas que lembram “O grito”. Os diretores de Weimar eram verdadeiros mestres da iluminação, bem como foram os primeiros a tornarem a câmera completamente móvel. 

                          Será que os alemães viram a realidade distorcida por esse homem chamado Caligari, digo, Hitler?
           Freud, citando Le Bon, defende que o líder de uma massa exerce uma espécie de hipnose na mesma. As armas que Hitler usou para “hipnotizar” o povo alemão foram as mais diversas: Retórica, manipulação da cor, uso de símbolos, propaganda, terror, mentiras, tudo isso em tempos de crise, com desemprego e fome. Kracauer afirma que a pequena burguesia e os trabalhadores alemães deram ouvidos às promessas nazistas guiados pela emoção e não pela realidade dos fatos. O problema de se trabalhar com a tese da hipnose do povo alemão pelo líder Hitler está em se concluir que se houve hipnose, não houve vontade livre, logo, não houve culpa dos alemães. Em verdade entendo que houve não uma exclusão da culpa, mas sim uma atenuante da culpa do povo alemão que merece ser levada em consideração. Enfim, é sempre difícil julgar uma época sem ter vivido nela.

       O Romantismo também está presente no cinema de Weimar. É como se o Romantismo tivesse esperado pacientemente o surgimento do Cinema para poder se expressar nele. Romantismo e Expressionismo se misturam nesse clássico cinema alemão de Weimar, e isso fica claro na trilha sonora: Às vezes a música do cinema expressionista é modernista, percorre caminhos obscuros; outras vezes é romântica, wagneriana. Temas clássicos como o Fausto e O anel dos nibelungos estão presentes. 

          Agora vamos assistir aos filmes expressionistas, começando pelo mais importante, O gabinete do Dr. Caligari: 





Outro filme expressionista importante é M., o vampiro de Düsseldorf, do grande Fritz Lang. Trata-se de um assassino de crianças que é procurado por outros criminosos, porquanto esses entendem que o assassino feriu a "ética" do crime. Aqui a profecia está em retratar bandidos no poder. A cena do julgamento pelos bandidos é marcante, e nos remete aos nazistas no poder, que subverteram o Direito e a lei em prol de seus propósitos criminosos. Cumpre mencionar que o filme é de 1931, sendo que Hitler vira Chanceler da Alemanha em 1933 e neste mesmo ano proíbe o filme de Lang. Assistam: 




         O filme Metropolis, de Fritz Lang, também é considerado um filme expressionista, apesar de ser claramente ficção científica. O roteiro foi feito pela esposa de Lang, Thea von Harbou, grande parceira artística do diretor e autora de inúmeros roteiros. O filme apresenta uma cidade moderna, com alta tecnologia e duas classes sociais distintas: trabalhadores e a classe alta liderada pelo empresário. O final conciliador me levou às lágrimas, mas provavelmente não agradará os marxistas de plantão, que querem luta constante e jamais uma conciliação entre as classes. 




          Um filme importantíssimo do período é Dr. Mabuse, o jogador, do mesmo Fritz Lang. O protagonista joga com as emoções das pessoas, e vemos outra vez temas como hipnose e controle da mente. Uma frase marcante do Dr. Mabuse é: "Não há felicidade, há apenas vontade de poder". Numa cena que me fez lembrar os julgamentos de Nuremberg, um personagem diz: "Eu trapaceei, sim! Mas eu não queria trapacear! Algo mais forte que eu me forçou a fazer isso". Já sabem onde quero chegar. O final do Mabuse é como uma profecia dos últimos momentos sofridos por Hitler no Bunker. O Cinema Expressionista alemão é uma grande profecia do advento e fim do Nazismo. Assistam: 

http://www.youtube.com/watch?v=IqglLUaOUvc

http://www.youtube.com/watch?v=GDMJVdWtU8c

Outro filme a ser citado de Fritz Lang é Os nibelungos, baseado na mitologia nórdica. Não é o típico filme expressionista, mas merece e muito ser tratado aqui. A trilha sonora é uma verdadeira obra-prima, a morte de Siegfried é emocionante e a vingança de Kriemhild é terrível. O filme inteiro é composto de duas partes: Siegfried e A vingança de Kriemhild. Um dos melhores filmes que eu já vi.



        Fritz Lang é um gênio, assista todos os filmes dele. Citei os mais importantes na minha opinião, mas não posso falar de todos porque a aula já está imensa. Por último falarei de A morte cansada (Destiny), esse sim tipicamente expressionista porque constantemente descreve situações emocionais. O filme trata do conflito entre amor e morte, dois temas bastante germânicos. E então, quem vencerá esse conflito? 

http://www.youtube.com/watch?v=mDO3r192kwo


Um dos diretores mais importantes do expressionismo é F. W. Murnau. Seu filme mais famoso é Nosferatu, que conta a história do vampiro drácula. Não é dos meus filmes alemães preferidos, e pra ser sincero gostei muito mais do drácula do Herzog e do Coppola. Mas é um filme importante, que tem como protagonista um ser poderoso, misterioso e demoníaco. Para a autora Eisner o "demoníaco" e as forças obscuras que povoaram o Romantismo renasceram na década de vinte como consequência das inúmeras mortes de alemães nos campos de batalha. Por todo o exposto, Nosferatu certamente é um autêntico representante do cinema expressionista e um dos primeiros filmes de terror. Deve ter assustado muita gente... na época.




Fausto de Murnau, esse sim eu degustei do começo ao fim. Releitura excelente do mito do Dr Fausto, cuja versão mais famosa é a de Goethe. O Dr. Fausto vivia para a ciência e nunca tinha amado.  Por causa disso, bem como porque contempla a morte pela peste a todo instante, o velho Fausto tem uma visão pessimista da vida. Então ele faz um pacto com o diabo, que confere a ele a juventude. Assim ele se apaixona, porém perde sua alma. O filme é de 1926; já o pacto que o povo alemão firma com Hitler é de 1933.



         Outro excelente filme de Murnau é A última risada. O protagonista perde seu emprego em um hotel por ser considerado muito velho, fica na pior, porém o final é surpreendente, talvez imposto pelo estúdio. O filme praticamente não tem letreiros. Assistam, é muito bom: 





         O filme O Golem, de Paul Wegener é sensacional. Os judeus de Praga estavam sendo perseguidos. Por isso um rabino judeu cria o Golem, um monstro que defende os judeus. Porém, o golem começa a praticar uma série de assassinatos. A temática de antissemitismo confere ainda mais importância ao filme. Essa é a versão mais famosa, de 1920: 




O Gabinete das figuras de cera é um filme de 1924 do diretor Paul Leni. Filme divertido e totalmente expressionista, principalmente quando conta as histórias das três estátuas de cera de Harun al-Rashid, Ivan, o Terrível e Jack, o Estripador. 





         As mãos de Orlac é um filme criativo de Robert Wiene, o criador do Caligari. Orlac é um pianista que perde as mãos num acidente. Os médicos decidem colocar em Orlac as mãos de um assassino recém executado. Orlac, porém, passa a virar uma pessoa maldosa com as mãos do assassino. 




Por fim, cito Nathan, o sábio. Apesar de não ser possível classificar esse filme como 100% expressionista (estaria mais para um épico), Nathan, o Sábio, de 1922, merece ser mencionado. Trata-se de uma adaptação da peça homônima de Lessing sobre tolerância religiosa em plena terceira cruzada. A crítica da extrema direita quando do lançamento do filme obviamente foi negativa e Hitler proibiu o mesmo uma década depois (para Hitler, que considerava os judeus inferiores, as palavras “sábio” e “judeu” simplesmente não combinavam). A história dos anéis contada por Nathan é bem interessante, ali ele mostra sua sabedoria, porém Saladino não fica para trás e demonstra no decorrer do filme ser tão sábio quanto. O diretor certamente achou que a época pedia um filme sobre tolerância religiosa. Nossa geração também não pode esquecer os sábios ensinamentos desse filme, pois atualmente ainda presenciamos inúmeros casos de intolerância religiosa. Portanto, assistam essa obra-prima do Cinema de Weimar:

http://www.youtube.com/watch?v=of6sF3Ul3pE

O expressionismo dura aproximadamente uma década e termina porque se esgota. A profecia havia sido feita, agora era só esperar o advento do sombrio tirano, o último personagem expressionista. Até a próxima aula.