Tenho uma
técnica de escrita: Só sento e escrevo quando estou exaltado, sentindo seja uma
dor forte, uma alegria imensa, um ódio desgraçado, etc. Após ler o artigo do jornal O Globo
“Vandalismo, democracia e fascismo”, senti um ódio desgraçado. Hora de sentar e
escrever.
“Confirmou-se
a queda no apoio às manifestações na mesma medida em que grupos violentos,
autointitulados Black Blocs, passaram a ganhar espaço nas ruas. Em São Paulo,
pesquisa da Datafolha realizada antes do quebra-quebra de sexta, no Centro, no
terminal de ônibus do Parque Dom Pedro, detectou que 66% concordavam com os
atos, contra 89% em junho, ponto de partida da mobilização. Os vândalos já eram
desaprovados por 95%.”
O
autor do texto faz um esforço desesperado para provar a veracidade de uma
mentira, qual seja, a de que as pessoas pararam de apoiar as manifestações por
causa dos Black Blocs. E para isso ele se vale da Estatística, uma velha
técnica usada para manipular informações a seu bel prazer. Autor do texto,
tente de novo.
“O resultado
pode ser estendido para todo o país, sem erro. A questão agora, e cada vez
mais, é que estes grupos fiquem isolados e sejam tratados por instrumentos que
tem o Estado para defender a sociedade e a lei.”
Sem erro, claro, você já
me convenceu com dados inequívocos. Seria eu ousado a ponto de duvidar da sua
estatística?
“A
questão agora” leia-se: Estou torcendo para que eles fiquem isolados e sejam
tratados com o rigor da LEI em prol da ORDEM. Law and order na veia. O autor
deve ser um fazendeiro dono de terras e está desesperado com as manifestações e
a quebra da ordem. O texto dele transborda desespero.
“Deve-se, ainda, cobrar do poder público um
mínimo de eficiência neste trabalho policial, para que haja efetiva contenção
do vandalismo, e com baixo grau de letalidade. Será dramático se houver morte —
e os embates ganham tal dimensão que este risco está presente.”
Como já era esperado, o
autor no auge de seu desespero pede o aumento da repressão policial (quem é o
fascista mesmo?). Ele não está satisfeito com a atuação que a polícia vem tendo
até agora. Afinal, coitado, ele corre o risco de perder sua fazenda!
“Será dramático se houver
morte”, para um bom entendedor significa “se matar, beleza, fazer o que?”,
porquanto tal “risco está presente” em virtude de tamanha violência. Isso me
lembra a frase do filósofo russo Drago, no filme Rocky: “Se morrer, morreu”.
Reparem
na palavra “vandalismo”, sempre cuidadosamente utilizada. O autor quer focar na
violência, mas não se dá ao trabalho de investigar por que a
violência é utilizada pelos Black Blocs. O nome desse estratagema de linguagem
chama-se “manipulação semântica”. Além de manipular a opinião dos leitores pela
estatística, o autor se vale da manipulação semântica, tratando os Black Blocs
de “vândalos”, como se eles quebrassem por quebrar ou mesmo para roubar (a
associação dos BBs com o crime será feita adiante).
“Entre as imagens que ficarão destes tempos
estará a foto do coronel da PM paulista Reynaldo Rossi, no tumulto de
sexta-feira, em São Paulo, sendo espancado por Black Blocs enquanto seu
segurança, um soldado à paisana, empunhava a pistola para defendê-lo, mas com o
dedo longe do gatilho. Sensata também foi a oportuna decisão do coronel de
gritar para a tropa não reagir”.
You wish, fazendeiro! A
imagem que ficará é a do PM dizendo “Foi mal, fessô” ou aquela “Por que eu
quis!”. Falando em imagens, o jornal O Globo também manipula a opinião pública
por meio das fotos, sempre destacando as imagens que eles querem que fiquem,
como ônibus queimando, Coronel da PM apanhando...
Lentamente o fazendeiro
traz as armas letais para o jogo, como a pistola. O autor do texto está
defendendo de forma velada (?) o uso de armas letais no combate aos
manifestantes. O psicólogo Sergio M. diria: “Ele está desesperado!!!”. Assim
como os jovens do filme Edukators, os Black Blocs claramente atacaram a
sensação de segurança dos riquinhos vazios que só querem a manutenção da
injustiça e são completamente alheios ao movimento da Educação, porque se está
ruim para muitos, para eles está muito bom.
Mais
do que sensata, a atitude do coronel da PM foi cinematográfica. Se eu estivesse
no lugar dele vendo que a imprensa me filmava, eu faria até melhor do que ele,
dizendo: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Brasil, eu te amo!
Saio da vida para entrar para a história.”. Talvez acrescentasse outros clichês
para impressionar ainda mais.
“Numa das equilibradas declarações que deu, depois, já com o lado
esquerdo do tronco imobilizado, devido a uma fratura na clavícula, o coronel
abordou um aspecto-chave neste novo tipo de crise de segurança que Rio e São
Paulo enfrentam de forma mais direta: “(...) A ação deste grupo transcende a
atuação da PM. Temos de contar com a sociedade, repudiando a ação deles. Eles
não podem se sentir à vontade para se apropriar de manifestações legítimas.”
Sinto
informar que não repudio as ações deles. O povo não pode ficar passivo ante
tamanha injustiça praticada por políticos corruptos, e se a violência praticada
pelo Estado é grande, a resposta violenta proporcional está inserida no
conceito de Legítima Defesa. Afinal, que grande violência praticada pelo Estado
seria essa? Corrupção sendo a regra, repressão policial, salários criminosos
para a Educação, sistema de saúde público quase declarando falência... Se o
país estivesse às mil maravilhas, aí sim os Black Blocs seriam vândalos.
Os
Black Blocs não se apropriam de manifestações legítimas, eles são parte legítima
das manifestações, sendo inclusive aceitos pelos nossos professores, que
gritaram “O Black Bloc é meu amigo, mexeu com ele mexeu comigo!”.
“Há análises variadas sobre a origem deste
surto de violência. Desde a identificação de uma espécie de frustração de uma
franja da juventude da chamada “nova classe média”, não qualificada pelo ensino
público básico para ascender socialmente, até a infiltração, pura e simples, de
bandidagem e de interesses do submundo político — aspectos que não se excluem.”
Essa
parte é a mais engraçada do texto do fazendeiro. Ele está com tanto ódio desses
jovens que lutam por um país melhor que os chama de frustrados e bandidos. Não
é uma interpretação séria, antes um ataque ridículo que sequer merece nossa atenção.
O
fazendeiro afirma que o ensino público básico não preparou o Black Bloc para
ascender socialmente. Isto ocorre porque o ensino público é de péssima
qualidade, já que o investimento não é feito como se deveria. Mas os Black
Blocs já perceberam isso e estão nas ruas lutando para melhorar a Educação do
Brasil.
“Mas o ponto central, agora, é o isolamento do
vandalismo, pois, longe de exercer o direito democrático à livre manifestação,
ele atenta contra a própria democracia, por desafiá-la. O direito à total
liberdade de expressão se refere ao conteúdo da mensagem expressa, não do
meio.”
Sempre essa
preocupação desesperada de isolar o vandalismo, separar os atos violentos da
manifestação dita legítima. Porque a manifestação calma não incomoda o fazendeiro,
não incomoda os políticos, não incomoda ninguém, logo não conquista nada. O
grande Rudolf von Ihering já dizia que o Direito nasce da luta. Lutemos pelos
nossos direitos, pois do contrário eles não nos serão dados de mão beijada!
“Por mais liberal que seja o regime,
violência não pode ser admitida. Eis por que o espanto quando professores
sindicalistas apoiaram os Black Blocs. Tanto que militantes discordaram dos
companheiros, e com acerto. Também assusta a simpatia para com vândalos em
meios intelectualizados.”
Na
ótica do fazendeiro, só a violência que convém a ele é admitida: a violência policial.
A violência praticada pelo Estado contra o povo não parece incomodar o
fazendeiro. Ela não afeta suas cabeças de gado.
Não
me assusta que meios não intelectualizados como os fazendeiros sejam contra os
violentos Black Blocs. Acho normal os meios intelectualizados defenderem eles.
Para se defender algo violento, é preciso pensar, e isso os intelectuais fazem.
“Hordas
de depredadores nas ruas remetem ao fascismo e sua prática de perseguir e
agredir fisicamente quem ele considera inimigo. Foi assim na Europa nas décadas
de 30 e 40 do século passado.”
Manipulação
semântica até dizer chega. A defesa da repressão policial desse texto me remete
ao fascismo. Já a violência dos Black Blocs é uma arma importante do movimento
pela educação. A maioria dos educadores do Brasil ganha menos de R$ 1.000,00
(imagine uma estatística qualquer). Você, leitor, acha isso justo? Enquanto
persistirem violências do Estado para com o povo, o povo estará do lado dos
Black Blocs. Educação sempre!