segunda-feira, 17 de setembro de 2012

NOVA SODOMA



Dedico ao meu grande amigo T.B. de Mello pela enorme quantidade de nutrição e destruição que suas indicações literárias geram.




Basta! Acabei de voltar de uma chopada do curso de Direito, o meu curso, ou melhor, o curso que meus pais me obrigaram a fazer. As impressões deixadas por essa festa em minha alma foram tão fortes que decidi escrever sobre. Queria mesmo era ter talento para a pintura e, ao invés de escrever, pintar um quadro impressionista, afinal, se fiquei impressionado é porque lá havia uma impressão. Usarei a forma do diário, porque pretendo registrar a partir de agora tudo o que eu aprender e observar nessa vida. Estou bastante ébrio, bebi muito daquela péssima cerveja quente que foi servida. Portanto, vou dormir agora e só amanhã começo a registrar minhas impressões de todo o horror que contemplei hoje. Só adiantando, a festa me lembrou bastante a Sodoma bíblica. O Rio de Janeiro é a Nova Sodoma.

                                                                                                    
                                                                    Nova Sodoma, 16 de setembro de 2012



Estou de ressaca. Maldita cerveja de má qualidade. Minha saúde também é de má qualidade. Tenho gastrite e sinto que morrerei de algo relacionado ao sistema digestivo, caso eu não interfira nos desígnios divinos, ou melhor, já que sou ateu devo dizer desígnios da natureza.

Minha primeira impressão extraída daquela festa repleta de ricos e até mesmo milionários foi a seguinte: Ao contrário do que todos pregam, não há classes sociais no Rio de Janeiro. O que existe são ricos e pobres que fazem parte da mesma classe social. Isso porque a dita classe “A” estava ouvindo funk e rebolando até o chão assim como os mais pobres favelados fariam; as grifes que ambos cultuam são as mesmas; ambos são ignorantes, desprezam a cultura e veneram MCs semi-analfabetos; e o principal: O objetivo de ambas as “classes” é o mesmo: Esbanjar dinheiro, se drogar, ter carrões de luxo e transar muito.

Reparei algo curioso: pouquíssimas pessoas dançavam. A música só estava ali para fazer aflorar os instintos mais primitivos dos presentes, seja pela batida provocante ou pela letra pornográfica. Meu amigo leitor – preciso me acostumar com a idéia de que cedo ou tarde alguém vai ler esse diário, afinal é sempre assim, ninguém respeita o direito à intimidade – a letra de música mais leve que pude ouvir ontem foi “eu vou te comer em pé”. O mundo de antigamente, acostumado à poesia, escreveria algo como “eu vou te amar a pé”. Como os tempos mudaram...

Tudo ali conspira para a promiscuidade, nunca leve sua namorada para uma chopada. No intuito de esquentar ainda mais o clima, tequileiros subiram no palco. O homem parecia um troglodita, e praticamente transou de roupa com todas as mulheres que subiram no palco. Deus, se você existe, faça com que eu nunca tenha uma filha! A quase nua tequileira, ironia do nosso tempo, também parecia um troglodita. Todos os músculos daquela mulher máscula são bem maiores que os meus. Os conceitos de hoje em dia estão todos deturpados, principalmente o belo. Ninguém mais se importa com o rosto quando o corpo é forte e torneado. Mulheres com rostos angelicais desprovidas desse corpo desenvolvido são renegadas. Percebi claramente que o olhar dos presentes se modificou com a presença dos tequileiros, vez que a excitação de todos aumentou e muito (o rosto realmente é o espelho da alma). A partir desse momento a agarração desenfreada começou.

Devo confessar que já fui a muitas festas como essa, onde a devassidão impera. Em muitas delas me senti mal por fazer parte de todo aquele lixo sem regras. Porém, nunca parei para refletir tanto quanto agora. Que vida vazia estamos vivendo! A vida não é só isso! A vida não pode ser só isso! Algo precisa ser feito em minha vida. Não sou Deus, não tenho o poder de fazer cair do céu fogo e enxofre e queimar a Nova Sodoma (não tenham dúvidas de que, se eu tivesse esse poder, já teria queimado o Rio há muito tempo). Mas posso abandoná-la, isso só depende de mim. Vou pensar no que fazer.


                                                           Nova Sodoma, 17 de setembro de 2012




Está decidido. Tal vida vazia eu não posso suportar mais. A partir de hoje deixo Sodoma. Tal afastamento é definitivo, não posso olhar para trás, do contrário virarei uma estátua de sal. Contudo, não abandonarei Sodoma para dedicar uma vida a Cristo, mas sim à Arte. Arte é o nome do meu salvador e redentor.



                                                            Nova Sodoma, 18 de setembro de 2012




Sempre amei a arte, mas nunca tive coragem de abandonar tudo e tornar-me aquilo que sou, um artista. Agora o isolamento será total. Já chega desses mortos, vazios, fúteis, sem paixão, meros animais no cio. Só quero saber de vida, por isso vou abraçar os grandes gênios que já morreram. Aprendam com esse sábio jovem que vos escreve: Os mortos estão vivos e os vivos estão mortos. Percebam como atualmente ninguém pensa, ninguém cria nada... Não surge nenhum movimento artístico terminado em “ismo” - afinal, a arte não se resume a isso? O mundo atual já está bem medíocre, mas aqui no Brasil a mediocridade é ainda maior, é total. Chega de me rebaixar ao nível desses ignorantes. Sei que o isolamento me deixará deprimido muitas vezes, mas sei também que é impossível mergulhar no mundo mágico da arte sem se isolar. Assim como o isolado capitão Nemo, nós e somente nós, abençoados e amaldiçoados pela arte, podemos desfrutar de nobres e raros prazeres como a descoberta de Atlântida.

Contudo, hoje ao ler o conto “Noites brancas” de Dostoievski, já aprendi que esse prazer superior também traz consigo dores superiores, infinitamente maiores do que todas as dores físicas. A arte toca no coração, toca na ferida, porque ela é verdade, e a verdade é a ponta de uma lança. A arte nos dá o maior prazer e a maior dor. Isso me lembra algo. Ah, sim: o amor.


                                                           Nova Atlântida, 19 de setembro de 2012




Mais um dia andando no meio daquele bando de espectros. Engraçado, eles acham que estão vivos. Fomos enganados: a Terra é o Hades. Caronte, onde está você?   

Hoje o ser humano é apenas um fardo, uma pedra no meu caminho. Sou ágil e eles, lentos como cágados, obstruem minha passagem na rua. Mas não é só isso. Contra a minha vontade sou obrigado a falar com eles no trabalho, por exemplo – esqueci de dizer, sou um servidor público, porque gosto de trabalhar pouco. Eles atrapalham minhas reflexões e só me aborrecem. No meio do caminho tinha um ser humano. Tinha um ser humano no meio do caminho. 


                                                          Nova Atlântida, 20 de setembro de 2012




Hoje li dois livros de Nietzsche, um autor que eu sempre soube que era grande, todavia nunca tive coragem de ler. Quanta vida em seus escritos! É impossível continuar sendo um idiota após ler Nietzsche. Ser um idiota não é o problema; o problema é continuar sendo um idiota.

Quanta verdade brota do mais diminuto aforismo dele! Resta saber quanto de verdade suportaremos. A leitura é pesada, apesar de ser relativamente acessível. Ao ler Nietzsche, a mesma sensação que tive lendo Noites Brancas brotou em meu ser: um misto de nutrição e destruição.

Adoro essa frase “O que me nutre me destrói”. Acho que ela é latina; não confundam com a mais famosa do Nietzsche “O que não me mata me fortalece”, frase que o sábio povo brasileiro distorceu para “O que não mata engorda” - Machado de Assis já dizia que o povo é um filósofo... Voltando à frase “O que me nutre me destrói”, ouvi essa frase pela primeira vez quando eu era adolescente e ela muito me marcou. Isso porque, quando eu tomava um suco de laranja, o suco entrava como um ácido sulfúrico, e minha gastrite dava pulos eufórica. O suco então me nutria com sua vitamina C, porém ao mesmo tempo me destruía. Achei que a frase se esgotasse aí, mas não, a frase é profunda! Conhecendo a Arte com letra maiúscula, pude aprender, ou melhor, sentir essa verdade: O que me nutre me destrói. Quando ouço uma música erudita como o “Velho Castelo” de Mussorgsky, ou leio um livro como o “O lobo da Estepe” de Hesse, sinto que minha alma se alimentou e ao mesmo tempo se despedaçou. Peço aqui sua atenção: se você busca uma vida feliz, afaste-se totalmente da arte. A arte vai deixá-lo inteligente, superior, profundo, observador e sábio, mas não te deixará feliz. Eu busco a arte porque não quero ser feliz.


                                                         Nova Atlântida, 21 de setembro de 2012



Por que comprei essa navalha se pretendo manter essa barba de erudito russo? Minha barba vai afastar ainda mais as pessoas.


                                                         Nova Atlântida, 22 de setembro de 2012



Li um livro sobre a história do cinema, e como eu já desconfiava, Cinema não é blockbuster americano feito para arrecadar milhões, é muito mais do que isso, é uma arte suprema. Vi dois filmes que o livro elogiou bastante, Barry Lindon e Cinema Paradiso. Ambos me destruíram, principalmente por causa das trilhas sonoras perfeitas. Estou em depressão. Será que no final das contas o que eu quero é me destruir?


                                                         Nova Atlântida, 23 de setembro de 2012



Estou envergonhado de ter feito pouco do cinema. Eu achava que cinema era Hulk, Transformers e outras baboseiras. Somos todos um bando de ignorantes! Inclusive eu, que me considero culto e inteligente. O problema de hoje em dia é que os inteligentes não são tão inteligentes assim, e os burros são burros demais.


                                                        Nova Atlântida, 24 de setembro de 2012



O ar da Nova Atlântida é rarefeito, já estou com dificuldades de respirar. Concedi a mim mesmo uma folga hoje e saí por um dia desse grandioso continente, principalmente porque acabei de ler Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe. Livro pesadíssimo, nem preciso dizer que estou destruído. E pensar que muitos alemães se mataram após lerem esse livro. Nenhum carioca morreu por causa do Werther, isso é certo. Para o Rio de Janeiro o romantismo não passa de uma piada de mau gosto. Decidi que o melhor jeito de aproveitar essa folga seria encontrar alguns amigos num bar. Fiquei calado a maior parte do tempo, pois eles falaram boçalidades durante três horas inteiras. Um disse que o sonho dele é ficar milionário até os trinta anos, o outro disse que está louco para andar de Lamborghini em Las Vegas, um terceiro analisou minuciosamente o time do Fogão. Quase vomitei na batata frita. Percebi que não tenho escolha: Na Nova Atlântida respirar é difícil; aqui fora, respirar é impossível. Que chegue logo o dia de amanhã, quero voltar para o ex-continente perdido.


                                                        Rio de Janeiro, 25 de setembro de 2012



Perdão, querida Nova Atlântida, prometo nunca mais te abandonar. Que eu seja destruído pela tua arte profunda, para que eu renasça das cinzas em esplendor e glória qual a mitológica Fênix. Minha volta foi em grande estilo, ouvi o adágio de Albinoni (afinal, é dele ou não?). Saí do meu corpo. Fui inteiramente transportado para uma Itália grandiosa, que vivia a arte. Tenho certeza de que não escolhi o lugar e a época em que nasci, pois fatalmente teria escolhido de forma diversa. Infelizmente estou preso ao Rio de Janeiro e ao século XXI. Por isso não sinto pena dos detentos: estou infinitamente mais preso do que eles.


                                                        Nova Atlântida, 26 de setembro de 2012


Estou começando a flertar com o suicídio. Mas não se preocupem, os verdadeiros suicidas não se matam, porque ser suicida é adorar a possibilidade de extinguir voluntariamente a própria vida. O suicida sabe que quando alguém se mata, mata junto a possibilidade de se suicidar.  


                                                                                                  
                                                       Nova Atlântida, 27 de setembro de 2012


Interessante como tanto a cidade bíblica quanto o continente se extinguiram e foram ressurgir coexistindo no Rio de Janeiro. Uma é o lixo, o outro o sublime. E o sublime, essa flor, nasceu do estrume.


                                                      Nova Atlântida, 28 de setembro de 2012


Que inferno, mais de 40 graus na certa. Não quero nem escrever hoje por causa do calor. O sol do Rio apenas incomoda, ele não tem coragem de arder de vez essa cidade pecaminosa. Oh, Helio, por que tu não queimas logo a Nova Sodoma?  


                                                      Nova Atlântida, 29 de setembro de 2012



Hoje no metrô um desses pastores que berram começou a pregar. Ele leu a parábola dos dez talentos, concluindo que devemos ser servos de Deus úteis, do contrário seremos lançados nas trevas exteriores onde há pranto e ranger de dentes. Penso que se ele descrevesse o inferno do modo como James Joyce o fez, a conversão ali seria instantânea e absoluta. Essa parábola é má e injusta, como quase tudo da bíblia. E estão educando a raça inteira desse planeta com base nesse maldito livro! Absurdo! Por isso as pessoas só querem saber da Nova Sodoma e não da Nova Jerusalém – meu caso é mais complicado, porque eu abomino ambas.

Vou fazer minha parte e reescrever decentemente essa parábola: Um homem, ao se ausentar deixou seus talentos com três servos. Um recebeu cinco talentos, o outro dois talentos e o outro um talento. Os que receberam cinco talentos e dois talentos, sem a autorização expressa do seu senhor, negociaram com os talentos e multiplicaram sua quantia. Já o que recebeu somente um talento foi obediente e guardou o talento do seu senhor. Quando o senhor retornou e soube de tudo, disse: Servos maus, por que negociaram sem a minha autorização? Imaginem se vocês fazem maus negócios e perdem meu dinheiro? Mas, fiquem tranqüilos, não lançarei vocês nas trevas exteriores onde há pranto e ranger de dentes. Tenho razoabilidade e conheço a proporcionalidade das penas. A punição será tão somente a demissão. A partir de hoje vocês não trabalham mais para mim. E tu, servo bom, que guardaste bem meu talento e me obedeceste, ganharás como recompensa um talento.

                                                      Nova Atlântida, 30 de setembro de 2012



Volto após um bom tempo sem escrever. Eu já imaginava que seria assim com o diário: começamos empolgados, escrevendo diariamente como o nome já sugere, e aos poucos vamos desanimando. Como o ser humano desanima com facilidade... Contudo, saibam que, no quesito arte, estou mais empolgado do que nunca. Tenho lido muito, sem parar, e, conseqüentemente aprendido bastante. Estou me elevando cada vez mais e me distanciando daqueles medíocres e devassos freqüentadores de chopada, dos quais, confesso constrangido, já fiz parte. Hoje comprei um livro do Marquês de Sade chamado “120 dias de Sodoma”, escrito por ele na prisão. Achei 120 dias pouco, comparado a 27 anos de Nova Sodoma. Enfim, estou ansioso para ler o livro inteiro amanhã e escrever o quanto antes minhas impressões sobre.


                                                       Nova Atlântida, 18 de fevereiro de 2013


Inacreditável! Todo grande artista retrata fielmente sua época e o lugar onde viveu. Sade é grande porque retratou com maestria o Rio de Janeiro e a nossa época! Sim, está tudo ali! Já tinha lido um conto do marquês de Sade chamado “corno de si mesmo”. Achei interessante e engraçado, nada demais. Engraçado mesmo é como achamos que já somos peritos num determinado autor quando na verdade lemos apenas uma obra dele. Marquês de Sade é muito mais do que esse conto e muito mais que um libertino: Sade é um verdadeiro filósofo (malditos franceses, ou melhor, franceses malditos). A idéia presente no romance 120 dias de Sodoma é deveras convincente, por ser lógica e simples: Deus não existe, vamos para libertinagem. Percebam que fascinante, o Rio de Janeiro atual segue à risca a filosofia de Marquês de Sade, porém de forma inconsciente (afinal, são um bando de ignorantes)! A única diferença é que tentam em vão disfarçar tanto o ateísmo quanto a libertinagem: fingem que seguem o cristianismo e que não traem suas respectivas mulheres (alguém ainda acredita nesses farsantes?). O pensamento de Sade acaba sendo uma aplicação mais específica da famosa frase atribuída aos Irmãos Karamazov de Dostoievski: “Se Deus não existe, tudo é permitido”. É a lógica que fala ali: Se Deus não existe, por que viver uma vida virtuosa, cheia de regras e monótona? Por que devo seguir regras se as regras foram feitas por homens que se basearam no que suas mentes obtusas pensaram? Deixo o próprio filósofo expor seu pensamento:

“Nunca hesito em minhas escolhas, e sempre certo de encontrar prazer nas que faço, nenhum arrependimento jamais vem embotar seus encantos. Firme nos princípios que tomei como certos, desde a mais tenra idade, ajo sempre em coerência com eles. Deram-me a conhecer o vazio e o nada da virtude: odeio-a e ninguém nunca me verá voltar a ela. Convenceram-me de que apenas o vício podia inspirar no homem essa vibração moral e física, fonte das mais deliciosas volúpias; a ele me entrego. Plenamente convencido de que a existência do criador é um absurdo revoltante no qual nem mesmo as crianças acreditam mais, desde cedo me coloquei acima das quimeras da religião. Não sinto a menor necessidade de restringir minhas inclinações no intuito de agradá-lo. Recebi essas inclinações da natureza e irritá-la-ia, se a elas resistisse; se ela as fez malévolas, é porque se tornaram necessárias aos seus desígnios. Sou apenas uma máquina em suas mãos, que ela move a seu bel-prazer e não há crime meu que não lhe sirva; quanto mais os inspira em mim, mais ela precisa deles: eu seria um tolo, caso lhe resistisse. Portanto, nada há contra mim, a não ser leis que desafio; meu ouro e meu crédito me colocam acima desses flagelos vulgares que devem apenas afligir o povo. (...) O mais forte sempre achava mais justo o que o mais fraco via como injusto e que bastava mudar suas posições respectivas para que, ao mesmo tempo, ambos mudassem também seu modo de pensar; (...) nada havia de realmente justo, a não ser o que gerava prazer, e de injusto, senão o que trazia penas; que no momento em que tomava cem luíses do bolso de um homem, fazia uma coisa muito justa para si mesmo, muito embora o homem roubado devesse ver isto com outros olhos; não sendo então todas essas idéias senão arbitrárias, haveria de ser louco quem se deixasse acorrentar por elas”.
  
Sade também foi um grande filósofo porque pregou pelo exemplo: ele foi libertino a vida inteira. O livro 120 dias de Sodoma muda a vida de quem lê. A questão é, estariam vocês preparados para encarar essa leitura pesadíssima, na qual toda a moral é pisoteada e destruída? Nesta obra, pais estupram filhas, adultos estupram crianças... ter estômago é preciso. Porém, além da imoralidade e de toda a filosofia profunda abordada anteriormente, 120 dias de Sodoma é o livro mais engraçado já escrito. Como exemplo, pego esse trecho: “em toda sua vida, dizia ela, nunca o limpara (o ânus), o que comprovava perfeitamente que ainda havia nele merda de sua infância”. Vemos, além do humor, todo o valor poético dessa frase.

Assim como Bach esgotou as possibilidades do órgão, Sade esgotou o tema “sacanagem”, usando esse termo bastante carioca.  Só uma crítica a ser feita: Houve sim um criador. Deus criou o céu, o sol, a lua, as estrelas, a natureza, os animais, o ser humano e no sétimo dia descansou. A mente humana não é capaz de compreender o quanto cansa criar um mundo tão complexo como a Terra. Deus se cansou tanto que está descansando até hoje. Estamos abandonados.  


                                                      Nova Atlântida, 19 de fevereiro de 2013


Agora que refleti muito a respeito da leitura de Sade e que aceitei seus ensinamentos, vejo que a maldita Nova Sodoma, outra ave Fênix, renasceu das cinzas e vem povoar meus pensamentos mais uma vez. Amanhã vou numa chopada de Medicina. Quero beijar o máximo de mulheres possível e vou beber até cair. Afinal, sinceramente, por que não fazer isso? Deus não existe, vamos para a libertinagem.

                                                              
                                                       Nova Sodoma, 20 de fevereiro de 2013


Voltei da maldita chopada. Milionários, MCs, devassidão, tudo igual! Tudo permitido! Verdadeira Anarquia! Visão infernal! As pessoas louvam tanto essa chamada Liberdade... Às vezes me pergunto o que é pior, não ter liberdade ou tê-la em demasia...

                                                       Nova Sodoma, 21 de fevereiro de 2013
                                                                                   

Que decepção. Então eu li tanto para chegar ao mesmo lugar? Fiquei corcunda, prejudiquei minha visão e me afastei das pessoas apenas para descobrir que todos estão certos ao viverem nessa Nova Sodoma? A dor que sinto ao me deparar com essa triste verdade faz parte do rol das dores da arte anteriormente citado. Não sou vaidoso, reconheço meu erro. Critiquei todos ao meu redor pelo estilo de vida adotado, todavia sou o único errado de fato. Mas não se preocupem, não mais incomodarei vocês. Essa é a última página do meu diário. Preciso fazer a barba.


                                                               22 de fevereiro de 2013







Um comentário:

  1. interessantíssimo! a vida é cíclica quando queremos que ela seja...a arte está em se aprender a rompê-los...só existem dois instantes onde é possível fazê-lo, mas isso não é papo pra comentário. gostei bastante!

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