terça-feira, 8 de setembro de 2015

DJTADOR

DJtador

Comédia em um ato.

Personagens:
- Hugo, o aniversariante
- DJ
- Churrasqueiro
- Barman
- Vidal, o convidado stalinista
- Arturo, o convidado trotskista
- Yudi, o convidado anarquista
- primo do Yudi, também anarquista
- Bob Marley, esquerdista com modos pacíficos
- João von Reichenau – convidado burguês
- Maria strozzelli – convidada burguesa, namorada de João
- Sepúlveda de Nóbrega – convidado burguês
- Carolina Kimura – convidada burguesa, namorada de Sepúlveda

CENA ÚNICA

Na parte central do palco encontra-se o DJ, sentado numa cadeira enorme que o deixa acima dos demais. Também no centro fica o barman. O churrasqueiro encontra-se num ponto mais afastado do palco. No lado direito estão os burgueses; no lado esquerdo os esquerdistas. O DJ está tocando Molejo. Os burgueses, muito bem vestidos, conversam sem animação. Os esquerdistas, com seus enormes blackpower, estão com a cara fechada.

Hugo – Maravilha, chegaram os últimos convidados. Fala, Joãozinho! E aí, Maria!

João von Reichenau – Parabéns, meu parceiro! Trouxe cerveja e esse presente pra você.

Hugo – Brigadão, amigo, não precisava.

João e Maria vão para a mesa do lado direito.

Yudi - Parabéns, irmão! Trouxe o meu primo, ele também é anarquista, sabia? Inclusive é black bloc, não espalha não.

Hugo, virando-se para o primo do Yudi – É mesmo? Muito prazer! Eu escrevi um texto defendendo os black blocs quando eles atuaram em defesa dos professores, mas uma galera da minha família e da religião onde eu fui criado achou que eu fosse um black bloc, inclusive alguém da igreja falou pra todo mundo que eu quebrei um caixa-eletrônico, hahaha. Mas, me diga, por que você decidiu se tornar um black bloc?

Primo do Yudi – Porque nessa manifestação dos professores vi que a polícia tava metendo a porrada nos estudantes, e como eu gosto de uma boa briga, resolvi cobrir o rosto e meter a porrada na polícia. Bati em vários policiais, foi muito bom!

Hugo – Então você só virou black bloc por isso?

Primo do Yudi – Sim.

Hugo – Compreendo... Olha, fica à vontade, tá, tem cerveja, coca-cola...

Yudi e o primo se sentam à mesa da esquerda.

Vidal – Essa música tá uma merda! Molejo não dá, achei que rolaria um samba de verdade, um Cartola...

Bob Marley – Po, brother, podia tocar um Bezerra da Silva, mas Molejo tá suave, na paz.

Vidal – Só quero ver que música vai tocar quando a galera começar a se animar. Aposto que vai ser um popzinho barato, esse DJ é burguês e essa festa tem burguês demais pro meu gosto...

Arturo – Pode crer, vamos ouvir o papo dos caras!

Os esquerdistas param de falar e prestam atenção à conversa dos convidados burgueses.

Sepúlveda de Nóbrega – Blablabla Royalties! Blablabla energia!

Maria Strozzelli – Blablabla iniciativa privada Blablabla iate! Blablabla excelente safra!

Arturo, gargalhando – Olha essa galera, os caras só pensam em dinheiro!!!

Todos concordam e riem.

Carolina Kimura – Aí, gente, vocês tão vendo aquele pessoalzinho estranho ali? Olha o cabelo deles! Parecem até mendigos... Guardem seus celulares, sério. O Hugo é amigo de cada coisa...

Sepúlveda de Nóbrega – Olha aquele ali com camisa da Hering! Playboy se passando por revolucionário. Ser comunistinha sustentado pelos pais é mole, né?

João von Reichenau – É verdade. Vamos ouvir a conversa deles, aposto que só vão falar de drogas e Che Guevara!

Os burgueses param de falar e prestam atenção à conversa dos convidados esquerdistas.

Bob Marley – Blablabla Maconha! Blablabla Miçanga!

Primo do Yudi – Blablabla luau! Blablabla paredão! Blablabla molotov!

João von Reichenau – Viu só? Bando de vagabundos viciados! Depois falam que é preconceito, esteriótipo! Hahahahah! Esteriótipos não são criados à toa...

Maria Strozzelli – Verdade, meu amorzinho, me dá um beijinho aqui! Vou ali pegar uma caipirinha e já volto!

Maria vai até o barman.

Maria Strozzelli – Oi, tem caipirinha de lichia?

Barman – Poxa, meu anjo, de lichia vou ficar te devendo, mas tem de limão, maracujá, morango e abacaxi.

Maria Strozzelli – Deixa pra lá, só gosto da de lichia, não vou querer não.

Barman olha com uma cara de “Ah, burguesinhas...”. Maria volta à mesa. Hugo vai para a parte da esquerda.

Vidal – Que sonho, hein, Hugo, um cara fazendo um bom churrasco e me servindo, o outro preparando drinks pra mim... Festa da burguesia é outra coisa, né! Hahahahah.

Hugo – Não sou burguês!

Vidal – É, mas você também não é um dos nossos! Um dia a vida vai te forçar a escolher um lado.

Hugo – É possível, mas até lá vou continuando em cima do muro.

Bob Marley – Galera, vou ali no meio fumar um cigarro.

Hugo – Cigarro, sei...

Bob Marley acende um cigarro na parte central do palco. João von Reichenau avista a cena de longe e se aproxima lentamente.

João von Reichenau – Ô cabeludo! Opa, desculpa perguntar, mas... você vende maconha?

Bob Marley – Po, brother, tá achando que eu sou trafica só por causa do meu dread?

João von Reichenau – Não, jamais!

Bob Marley – Tá de boa então. Pra falar a verdade eu tenho maconha aqui.

João von Reichenau – Então você vai me vender?

Bob Marley – Não, porra! É pra gente fumar junto, se você quiser.

João von Reichenau – Poxa, valeu mesmo! Somos bastante diferentes, mas a maconha nos une! Tem coisa que todo mundo gosta, independente da classe social.

Bob Marley – É verdade...

Bob e João vão para um canto isolado fumar. Bob fuma com vontade e passa para João, que fuma com cara de nojinho. João volta para a mesa da direita.

Carolina Kimura – Maria, olha o olho vermelho do seu namorado! Que que você andou fazendo, hein, João?

João von Reichenau – Eu...eu me emociono sempre que ouço essa música.

Sepúlveda de Nóbrega – Brincadeira de criança, do Molejo?

João von Reichenau – Tudo que mexe com infância me traz nostalgia, sabe...

Carolina Kimura – Vai mentir pra outro, rapá! Eu vi você de papo com o doidão de dread. Juro, parecia o encontro de dois mundos distintos. É como se vocês fossem feitos de uma massa diferente.

João von Reichenau – Isso é verdade, mas a gente só trocou uma ideia. Até que aquele crackudo é gente boa.

O churrasqueiro serve carne aos burgueses.

Maria Strozzelli – Ih, moço, pode voltar com essa carne, tá muito mal passada!

O churrasqueiro fecha a cara e serve os esquerdistas, que atacam a carne como se fosse a última refeição de suas vidas.

Vidal – Boa, churrasqueiro! Essa carne tá vermelha do jeito que a gente gosta!

Todos à mesa gargalham. Sentindo que o clima da festa era propício, o DJ solta a primeira música mais animada da festa: Barbie girl. O DJ canta e dança empolgado.

Yudi – Porra, Barbie girl é sacanagem!

Vidal – Sim, é um insulto! Hugo, vem cá!

Hugo – Fala, Vidal.

Vidal – Cara, olha a música que esse DJ tá colocando! Eu quero uma festa punk!

Arturo – É, Hugo, fala pro DJ tocar Garotos podres, Gangrena gasosa...

Vidal – Do contrário, vamos ter que tomar uma providência...

Vidal brinca com a faca de plástico.

Hugo – Ih, vai ser difícil, mas vou falar com ele.

Hugo vai até o DJ; os esquerdistas estão atentos à conversa.

Hugo – Aí, DJ, a galera da esquerda ali tá pedindo um som mais pesado, um punk rock...

DJ – Tá maluco? Punk rock num churrasco? Cara, eu sou o DJ e as pessoas vão ouvir o que eu quiser colocar... e elas vão gostar, porque existe uma fórmula infalível para músicas de churrasco: Primeiro, um sambinha; depois, quando o efeito do álcool começa a bater, pop, hip-hop e dance; e quando o álcool já está dominando a todos, funk. É um padrão, é um ritual. Não queira estraga-lo.

Hugo – Tudo bem, vou dar a má notícia a eles.

DJ – Sim, faça isso! Eu tenho uma reputação a zelar...

Hugo vai até os esquerdistas.

Vidal – Já ouvimos tudo. Quer dizer que é assim? “As pessoas vão ouvir o que eu quiser colocar?”. Ditador maldito! Se ele não ouve as reivindicações das massas ele é um inimigo do povo e tem que morrer!

Vidal pega um espeto de churrasco.

Hugo – Tá maluco, Vidal? O DJ é meu amigão, vai querer passar o cara no espeto?

Vidal – Não tem essa de amigão... onde você vê amigão eu vejo opressão! E opressão é opressão e deve ser combatida, seja no Estado, no ambiente de trabalho, numa relação amorosa... ou nas carrapetas de um DJ de churrasco! Me admiro você, Hugo, compactuando com isso...

Hugo – Não tô curtindo as músicas também, só não quero que você mate o meu amigo. E no dia do meu aniversário!

Vidal – Posso mata-lo amanhã, se ficar melhor pra você...

Hugo – Porra, não foi isso que eu quis dizer! Ah!

Hugo vai até o barman.

Hugo – Opa, quero uma dose de cachaça pura.

Barman – purinha mesmo?

Hugo – Sim, manda.

Hugo entorna o copo de cachaça aparentando nervosismo.

Hugo, pensando alto – Vai dar merda, to vendo...

Sepúlveda de Nóbrega – Po, Hugo, você nem tá dando muita atenção pra gente! A gente tava falando aqui que o PT é muito corrupto, precisamos colocar o Aécio na presidência! O PT está acabando com esse país, o euro está mais de quatro reais, só pude ir uma vez pra Europa esse ano!

Hugo – Desculpa, Sepulvedinha, mas sabe como é, o aniversariante é sempre muito requisitado. Vou pegar uma bebida.

Hugo vai até o barman e repete a dose.

Hugo, pensando alto novamente – Porra, tá pra rolar uma revolução sangrenta e esses tucanos nem se tocam! Bando de tapados mesmo.

Vidal – Galera, vamos decidir o que a gente tem que fazer. Eu acho que tem que usar de violência mesmo, revolução é assim. Cada um pega um espeto e a gente bota esse DJ opressor pra correr.

Arturo – Não, sem violência. Esses stalinistas só pensam nisso.

Vidal – E vocês, trotskistas vivem fugindo da raia quando a chapa esquenta. Típico! Você acha que Stalin trouxe a violência pro mundo? Trotsky era o cãozinho do Lênin, e os dois mataram muita gente. Stalin aprendeu a usar a violência política com eles.

Arturo – Nada disso, Vidal. Estamos no aniversário do nosso amigo. Temos que tirar o cara sem violência, e eu vou ser o novo DJ. Estou com meu pen drive aqui.

Vidal – Ei, por que você vai ser o novo DJ? O meu HD externo está comigo e sou um DJ muito melhor que você. Na chopada do IFCS você colocou Macarena e quase te espancaram por causa disso, eu lembro! Bob, dá a sua opinião aí.

Bob Marley – Po, mano, na paz, deixa a música rolar aí, tô tranquilão.

Vidal – Na paz??? Pqp... E você, Yudi, fala aí!

Yudi – Eu acho que não tem que ter DJ, cada um coloca a música que quiser ouvir.

Primo do Yudi – Ta aí uma boa ideia!

Vidal – Porra, mas aí vira bagunça!

Primo do Yudi, exaltado – ô, rapá, bagunça não, vê lá, hein!

Hugo, gritando de longe – Yudi, acalma o porradeiro do seu primo aê.

Vidal, com calma – Yudi, eu já te falei, você tem que ter organização! Vai tirar o DJ como, sozinho? Quebrando o equipamento dele?

Primo do Yudi – Tá aí outra boa ideia...

Yudi – Organização? Tô vendo a organização de vocês, um quer matar o DJ, o outro quer expulsá-lo sem violência e o Bob ali tá sempre de boa com tudo, nem parece que é esquerdista!

Bob Marley – Sem estresse, mano!

Vidal – Bom, como eu não sei, mas a gente vai ter que mudar essas músicas. Quanta desanimação! Olha só em volta, tá todo mundo sentado e calado!

Vidal aponta para a plateia.

Vidal – Se ninguém chega num acordo eu vou lá resolver sozinho.

Vidal faz uma pose imponente e vai até o DJ. Chegando lá, sozinho, ele fica intimidado e baixa a bola.

Vidal – Po, brother, me perdoa, mas será que você deixaria eu colocar uma música? Aqui meu HD externo.

DJ – Vou guardar aqui seu HD, depois eu ponho, ok?

Vidal – Beleza, muito obrigado, viu?

Vidal volta para a mesa dos seus amigos.

Vidal – Aquele safado me enganou direitinho! Vai deixar meu HD mofando ali...

Arturo – Se ferrou, Vidal! Hahahahahah.

Vidal – Você tinha que ter ido comigo, isso sim! Juntos somos fortes! Que a vontade da maioria prevaleça! Olha lá, temos uma pessoa a mais que eles.

Yudi – Errado, o DJ já provou que é burguês, então empata. O Hugo, como sempre, em cima do muro... E o churrasqueiro e o barman, coitados, certamente são pobres e apolíticos.

Bob Marley – Olha o preconceito, Yudi! Por que os caras são apolíticos?

Yudi – Eu sei das coisas. Essa galera mais humilde ou despreza a política ou faz comentários “Bolsomito”, como os taxistas.

Arturo – Camaradas, pra que contar quem é maioria? O DJ tem o poder, não importa o número dos presentes.

Vidal – Tem o poder por pouco tempo... vou ali pegar uma carne sangrando.

Vidal vai até o churrasqueiro. Nesse ínterim o DJ coloca MMM bop, dos Hanson. O DJ dança muito empolgado.

Yudi – Aí já é demais, galera. Botar Hanson é como xingar a minha mãe! Vamos tirar o ditador do poder!

O primo do Yudi esconde o rosto com um lenço. Chega o churrasqueiro na ala esquerda.

Churrasqueiro – Pessoal, uma faca minha sumiu. Alguém viu?

Vidal – Não, mas se eu souber de algo eu te aviso.

O churrasqueiro olha Vidal desconfiado e volta à churrasqueira.

Arturo – Isso tá com cheiro de Vidal, pode falar!

Vidal, mostrando a faca – Meu lema é: Esteja sempre preparado! Agora sim, vamos fazer justiça, galera!

Os cinco esquerdistas vão decididos até o DJ.

Bob Marley, cruzando os braços – Qual vai ser, DJ? Dá o papo!

O DJ olha aquele bando de black power rodeando ele e morre de medo.

DJ – Pessoal, já que vocês queriam colocar outras músicas, podem colocar. Preciso ir, tenho que... pegar minha filha na creche.

Yudi – Domingo à noite?

DJ – Sim. Fui!

DJ sai levando sua enorme cadeira. Esquerdistas rapidamente assumem o poder, colocam Smells like teen spirit no volume máximo e começam a gritar “Aê!” e “Viva la revolucion!”, depois fazem uma rodinha animada, pulando e se empurrando. Os burgueses ficam chocados e decidem ir embora.

FIM