terça-feira, 2 de julho de 2013

RESENHA DO FILME "ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO"




          A essência do documentário “Arquitetura da destruição” reside no fato de como os nazistas utilizaram a arte como instrumento político e como reflexo dos ideais que advogavam. Hitler defendia uma nova Alemanha, com novos valores, e para tanto, destruiu toda a moral vigente e toda idéia de dignidade. Ele defendia um Reich alemão composto apenas por membros da “raça pura ariana”, e dentre esses, os saudáveis. Para os nazistas, o Novo super Homem (tão distante da idéia de übermensch de Nietzsche) deveria ser ariano, belo e saudável.
Em termos artísticos tal conceito até foi produtivo, porquanto o filme deixa claro que um verdadeiro renascimento cultural foi promovido naquela época na Alemanha. Um retorno aos ideais clássicos, às formas perfeitas e à escultura no estilo grego ocorreu sob o governo de Hitler. Porém, esses mesmos nazistas combateram uma arte nova e original que estava surgindo naquela época, como expressionistas, cubistas, entre outros tipo de arte moderna.  Gênios notórios e incontestes como Max Ernst e Oskar Kokoschka foram considerados “degenerados”, e seus quadros com formas tortas e desproporcionais foram usados pelos nazistas como prova de que seus autores eram doentes e tortos como os personagens por eles retratados. De modo a defender esta risível tese, os nazistas, profissionais em propaganda, compararam os personagens “degenerados” com fotos de “pessoas degeneradas”, ou seja, de doentes mentais.
Portanto, a relação dos nazistas com a arte é positiva e negativa. Positiva porque promove um renascimento cultural; negativa, porque ao mesmo tempo combateu uma arte original e genial. Entende-se porque os nazistas combateram esses artistas modernos: a maioria deles também usava a arte como instrumento político, e tinham, na sua maioria, tendências marxistas. A escola de arte moderna Bauhaus inclusive foi fechada pelos nazistas, por ser considerada “anti-germânica” e conter muitos estudantes russos. Também havia guerra no mundo das artes: O clássico versus o moderno.
O combate ao marxismo também fica nítido quando é mostrado no filme que o objetivo era formar um povo alemão unido (“ein Volk”), sem classes sociais. O conceito marxista de “luta de classes” é completamente abandonado, e percebe-se isso no trecho em que o nazista diz que se você investir no trabalhador, com higiene e cultura, ele não vai ter por que fazer uma revolução.
O que deve ficar claro é o quanto custou essa bela arte clássica nazista para quem não se encaixava nos parâmetros dela. Os considerados doentes e os doentes de fato, ou seja, os que estavam fora do padrão de saúde e beleza defendidos, fossem alemães ou não, eram mortos (não por eutanásia, pois não havia consentimento, mas por homicídio). O Saturno nazista comia seus próprios filhos alemães, se estes não fossem saudáveis e vigorosos. Todo o amor ao tipo ideal ariano; todo o desprezo aos que não se encaixavam nesse perfil. Prova disso é o trecho do filme que mostra a bela arquitetura de um manicômio alemão, enquanto um nazista fala que é um desperdício uma arquitetura tão bela para uns doentes loucos que não tem capacidade de apreciar tamanha beleza. O princípio da dignidade humana foi completamente pisoteado pela bota nazista.
O filme Olympia, de Leni Riefenstahl está inserido nessa estética nazista mencionada. O começo na Grécia clássica não deixa dúvidas. Além disso, com técnicas aprimoradas de filmagem e o uso de slow motion, a diretora idealiza o ser humano e suas formas. Porém, ali, a união entre as nações pela olimpíada é celebrada, independentemente da raça. Todo ser humano é idealizado nesse fime, o que é uma grande e incômoda mentira para aqueles que conhecem a ideologia nazi. A idéia de fraternidade, de povos unidos, vai ao encontro do “Alle Menschen werden Brüder” (todos os homens se irmanam) defendido por Schiller e Beethoven, mas é exatamente o contrário do que prega o nazismo, que despreza raças consideradas por eles inferiores, como judeus, eslavos, negros, entre muitas outras.
A arte nazista é grandiosa, porém difícil de ser apreciada por um conhecedor das práticas de terror, genocídio e dos macabros valores vigentes na Alemanha naquele período. A grandiosidade dos nazistas é pequena.  
Pelo exposto, não restam dúvidas de que foi promovido um renascimento clássico na Alemanha, porém aquela época não pedia um renascimento clássico, já que, diferente da idade média, que não via o homem como um ser individual, que era contra a ciência e toda forma de avanço, os anos 30 do séc XX eram extremamente ricos culturalmente, com a arte moderna combatida pelos nazistas. A Alemanha arrasada no pós primeira guerra necessitava de um Renascimento; a cultura não.
É evidente o motivo pelo qual o Renascimento clássico promovido pelo pintor e arquiteto frustrado Hitler não é louvado e é até mesmo olvidado, em completo contraste com o tão festejado Renascimento italiano. Os italianos não massacraram todos que não se encaixavam na estética clássica do belo, tampouco promoveram genocídios com base em ideologias sem sentido. Os crimes que os nazistas cometeram contra a humanidade nos fazem querer desprezar tudo o que envolve a Alemanha daquele período, chegando alguns ao cúmulo de desprezarem tudo o que é alemão, o que é um grave problema. Está na hora de nos curarmos do trauma promovido pelos nazistas e enfrentarmos algumas questões que não podem permanecer para sempre como um tabu.
A busca por feitos grandes foi deixada de lado no pós segunda guerra mundial, e na opinião desse autor isso ocorreu devido ao trauma deixado pelos genocídios promovidos pelos nazistas, que a todo momento buscavam se superar, e alcançar o grandioso e o sublime. “Então isso é ser grande? É oprimir? Torturar? Assassinar?”. Enquanto tivermos esse pensamento, o Homem estará adormecido, como está atualmente. Nossa época sim, pede, clama, implora por um renascimento cultural (ou uma revolução na arte e no saber). O Homem não cria e não pensa nada novo, estamos vivendo na verdadeira idade das trevas, e precisamos mais do que nunca de pensadores e artistas, que entendam nosso mundo atual e apontem saídas para os nossos problemas.
Por fim, cabe à nossa geração voltar a buscar a grandiosidade, mas a verdadeira grandiosidade, a criação do gênio, do artista, do filósofo, e não do opressor, do torturador, do genocida. Que saibamos dar o real valor às coisas e considerar grande o que realmente for grandioso.